domingo, dezembro 19, 2010

A viagem consciente ao mundo onírico como experiência religiosa

Há um substrato comum às experiências psíquicas conscientes obtidas na meditação, nos sonhos lúcidos e nos vários estados de quase-morte. Em todas elas o corpo físico desfalece e perde os sentidos enquanto a consciência concebe o mundo em que se move como não-físico. Essas experiências tocam o limite extremo da ciência, beirando o que em seu atual estágio de desenvolvimento é incognoscível.
A idéia da sobrevivência da alma em outro mundo após a morte do corpo, comum a muitas religiões, é reforçada por experiências desse tipo. Aqui encontramos mais uma utilidade para os sonhos lúcidos.
As pessoas que se desenvolveram no campo da experiência transcendental parecem sentir menos medo da morte, após esse desenvolvimento, do que antes dele. A morte passa a ser vista como uma viagem literal a outro mundo, o que parece dar ao processo de destruição do corpo físico um caráter mais aceitável e uma maior naturalidade.
Grande parte das experiências psíquicas, cujo conteúdo imagético abrange anjos, demônios, deuses, céus e infernos, são obtidas em momentos em que o corpo desfalece.
O desfalecimento temporário do corpo associado à consciência de que se está em contato com imagens não-físicas proporciona uma modalidade de experiência que adentra ao terreno religioso.
Ao discernirmos que as imagens contatadas são oníricas, o risco de inflação por um arquétipo parece ser diminuído. Se o sonhador vê a figura de Jesus Cristo e compreende que é onírica, seu poder de desconfiar do caráter divino da mesma parece ser maior. Tal capacidade de desconfiança com relação ao caráter literal das imagens não ocorreria se a pessoa, tendo o discernimento de estar no mundo onírico, não se desse conta de que suas imagens são simbólicas. A consciência de que se está em um sonho não é suficiente para evitar a inflação. A recordação de que o mundo é simbólico e de que seus componentes possuem um caráter fantástico são imprescindíveis para evitar a loucura. Aquele que não compreender como se dá a realidade onírica, estará perigosamente exposto às influências perigosas dos arquétipos, sejam eles celestiais ou infernais. Do mundo onírico provém criaturas de tormento, demônios interiores conhecidos pelas religiões:
“Os monstros do inferno são os pesadelos do cristianismo e (...) nunca o pincel ou o cinzel teriam produzido tais fealdades se não tivessem sido vistas em sonho.” (LÉVI, p. 397)
Os conteúdos encontrados em experiências religiosas são muitas vezes oriundos de sonhos nos quais há maior ou menor lucidez do que se passa.
As experiências oníricas conscientes parecem assinalar uma etapa da evolução da consciência mais elevada do que a das experiências usuais, nas quais está indiferenciado: não sabemos o que é externo e o que é interno. Porém ela possui seus riscos. A mera noção de onde se está não é tudo. Além de sabermos a dimensão em que estamos, é preciso manter a compreensão de que o mundo onírico é fantástico e simbólico pois, do contrário, caímos no erro de certos pseudo-ocultistas que tomaram o “outro mundo” como realidade literal e foram enganados. A lucidez no sonho pode atingir um grau que permita ao sonhador ter a certeza de estar sonhando ou apenas disso desconfiar sem, no entanto, se recordar de que não está em um mundo de significados literais. Uma vez que se tenha certeza disso, por outro lado, o poder de se explorar esse mundo conscientemente irá variar muito, pois há vários graus de consciência desperta. Em uma etapa muito elevada, os sonhos são transcendidos e a pessoa vive na dimensão desconhecida em intensificada vigília.
Nessa dimensão desconhecida, no reino misterioso das nossas viagens noturnas, estão os entes fantásticos, os seres mitológicos que este mundo fingiu esquecer. Em sua vastidão ecoa a voz de Deus através dos séculos, se perdendo na noite infinita dos tempos. Esse mundo é o portal por onde se revelam os anjos e os demônios e por onde se ascende aos céus ou se é precipitado ao inferno.
Das profundezas desse abismo emergem as legiões do bem e do mal que subjugam os homens e o anjo da morte que os arrebata no momento final, cujo nome é Abadon, segundo as teogonias antigas.
Nessa realidade paralela e fantástica, podemos contatar seres arquetípicos, mitológicos e históricos. Transcendemos a barreira do tempo e do espaço e mergulhamos no oculto. Cruzamos os vales sombrios e os mares da serenidade e do desespero até vermos a aurora brilhante dos tempos obscuros. Suas mensagens são enviadas na linguagem do arco-íris: elas falam em silêncio e para sempre!
Dados do autor para bibliografia:

Monteiro Muniz C

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