quinta-feira, janeiro 06, 2011

O Tetragrammaton

“O que está embaixo é análogo ao que está em cima,
e o que está em cima é análogo ao que está embaixo,
para perfazer as maravilhas da coisa única.”


O Tetragrammaton é a representação mais perfeita do processo de formação de todas as coisas no mundo sutil e denso, sejam clichês, situações, criaturas, objetos e o próprio Universo. Toda avaliação de situações em que aplicaremos os Arcanos do Tarot, seguirá este princípio, que constitui a fisiologia fundamental para investigação de todos os fenômenos.
São quatro os componentes do Tetragrammaton, que também é conhecido como O Nome de Deus, devido ao fato de se aplicar a toda a Sua Criação, através da qual nossa Consciência pode reconhece-LO. A Kabalah nomina esses componentes:

Yud – He – Vav – He

“No princípio era o verbo, e o verbo se fez carne...”



Estudaremos no capítulo sobre a Árvore da Vida, o que Kabalah ensina sobre como Deus cria o Universo por intermédio do seu verbo. Para além da Vontade Manifesta de Deus, o Verbo, o pulsar eterno que mantém toda a sua Criação, nossa mente, por mais evoluída que seja, não tem como conhece-LO. Por isto, dizemos que Deus além da existência. Nós o percebemos em suas infinitas manifestações, as materializações do Verbo Eterno.
Ao mesmo tempo em que, da Vontade de Deus emana um Influxo de Poder Ativo e positivo, dotado de Informação e Intenção, é gerado, por complementaridade, o Poder Receptivo e negativo, dotado de energia polarizada, a substância sutil, pronta para ser fecundada pelo Poder Ativo, recebendo-o, contendo-o, delimitando-o e criando com ele tudo que se manifesta. Da interação destes Poderes nasce toda a Criação e suas infinitas, múltiplas formas; a este princípio interativo ou conjunctio chamamos o Logos, na linguagem Teosófica, o G.A.D.U. – O Grande Arquiteto do Universo. Se chamarmos Espírito ao primeiro princípio, e Substância ao segundo, teremos que a união do Espírito e da Substância gera a Vida que se Manifesta em múltiplas Formas. Podemos exemplificar este processo assim:

Yud He Vav He




Devido a este princípio, as letras hebraicas Yud – He – Vav – He compõe o Nome de Deus, porque indica que Esse Imponderável, que significa toda a informação inteligente do universo, mais sua energia ou substância, mais o poder criador que pulsa animando tudo que existe, se manifesta de acordo com o princípio descrito pelos quatro componentes. Como o quarto elemento simboliza a forma resultante de cada processo, os três primeiros representam a essência da criação, A Trindade, que é símbolo da Divindade em todas as culturas.
As quatro letras hebraicas que sintetizam o fenômeno da criação de tudo que existe, são, em essência, o Verbo criador, imanente em todo universo. Há muitas formas de pronúncias para esse Nome, onde a mais conhecida é Yaveh, como vemos na Bíblia, que se deriva para Jeovah. A forma Yaveh do Nome de Deus provém da contração Iud – He que compõe a parte Yang ou ativa do nome, e Vav – He, que compõe a parte Yin ou reativa, feminina, do nome. Sua pronúncia é utilizada no caminho da Kabalah prática e é dotada de grande poder realizador. Tudo que acontece no mundo fenomênico obedece a esse modo de criação. Podemos exemplificar de muitas formas este postulado: Eis algumas bem simples:

Pai → Mãe → Gestação (Filho) → Forma do Filho
Idéia de um Objeto → Material → Confecção → Objeto Criado
Energia Elétrica → Lâmpada → Luz → Ambiente Iluminado
Intenção → Recepção → Interação → Situação Criada

Esse postulado embasa o conceito de um princípio masculino – Deus Pai – que fecunda o princípio feminino – Deusa Mãe – para gerar a natureza, o universo, o homem – Deus Filho – o advento que possibilita as condições para que se desenvolva A Vida Manifesta neste ou em outro plano de existência. Joseph Campbel, em O Poder Do Mito ilustra maravilhosamente essa idéia, demonstrando como a idéia da existência de um Deus Pai e de uma Deusa Mãe é representada por simbolismos adotados em diversas culturas, das mais desenvolvidas às mais primitivas, sob formas diversas, matizadas pela linguagem simbólica de cada cultura.
O Conjunctio, ou a relação entre o masculino e o feminino é simbolizado em muitas culturas como princípio da divindade. Os deuses do panteão hindu são representados com sua respectiva consorte, como Shiva e Adishakti. No budismo, o Guru Vajradara, Lama supremo, é representado em abraço sexual com sua consorte, simbolizando o poder criador da interação entre o aspecto masculino e ativo e o aspecto feminino e receptivo, que neste caso indica a união do espírito iluminador e da mente em estado receptivo, de vacuidade, como exemplo ou referencial para aquele que busca a vitória sobre a ilusão, sobre o sofrimento. O Linghan indiano simboliza o mesmo princípio, como veremos no Arcano III, assim como a flor de Lis. O falo e a vagina unidos são um símbolo manifesto desse princípio, da mais elevada sutileza.
O Espíritofecunda a Substância – a informação inteligente fecunda a energia. Não poderíamos imaginar a existência do espírito, enquanto essência sutil da vida, ou melhor, utilizando o conceito rosacruciano – o espírito enquanto a inteligência imanente em toda a coisa existente, ou energia formatada – sem que ele penetrasse a substância e nela gerasse, criativamente, interativamente, a multiplicidade da forma. Esta concepção ancestral da Criação pode também ser expressa da seguinte maneira:

1
Princípio Ativo 2
Princípio Receptivo 3
Processo Criador 4
Coisa Criada


1. O Princípio Ativo pode ser relacionado com toda Energia que estrutura, anima e alimenta tudo que existe o mundo visível. É o grande Yud, que pode também ser representado pelo ponto no sentido em que este expressa o potencial concentrado de irradiação positiva, como um núcleo atômico, como o Sol no nosso sistema solar; também refere-se à idéia anterior a qualquer forma, como afirmou Platão; é o Pleno de Potencial, é a polaridade positiva da energia, é Yang e pode ser entendida como Mônada. É o primeiro hexagrama do I Ching, O Criativo.
2. O Princípio Receptivo pode ser relacionado com toda substância que recebe o influxo, e é necessariamente Vazio, oco de energia, mas pleno de potencialidade, como um ovo sem gema, um como uma célula sem núcleo, como um átomo sem o núcleo agregador, como o sistema solar sem o sol, se é que isto é possível no universo compreensível. É a polaridade negativa da energia, dotada do poder atrativo e da fecundidade, é o 1º He, é o poder yin. É o segundo hexagrama do I Ching, O Receptivo.
Quando 1 e 2 entram em contato, sendo esse instante imponderável e imerso no mais sutil e abstrato da compreensão da vida, temos representado o binário. Nosso universo conhecido é irrefutavelmente construído sobre binários: luz/sombra; cheio/vazio; espírito/matéria; expansão/contração; dia/noite; masculino/feminino; bem/mal; sim/não; positivo/negativo. “Os opostos se atraem”, não existem isoladamente, e estando em contato, interagem pela poderosa instabilidade da junção, até que se fundem, se equilibram e resultam em um processo interativo neutralizado. O espermatozóide, cheio de energia yang, mas incompleto em si, navega desesperadamente em direção ao óvulo cheio de energia yin, ou melhor, vazio de Yang e portanto cheio de possibilidade de vida, mas que também é incompleto para a vida, em si mesmo. A fusão do conteúdo genético dos dois e as condições geradas em torno deles cria um ser em desenvolvimento, que após todo o processo de interação e maturação nasce para o mundo visível como uma nova Criatura. Assim também tudo é emanado, criado, formado e feito no seio de Deus que é tudo isso mais Ele mesmo, que está além da existência do que conhecemos ou imaginamos.
3. A Criação, o processo Vav, interativo e gerador de tudo que existe. As polaridades se atraem, interagem até a neutralização, o equilíbrio. Toda natureza física e metafísica busca o equilíbrio dos opostos. O elemento positivo e o elemento negativo, atraídos um para o outro entram em interação de forma a compor uma unicidade, sem perder, todavia, sua natureza íntima. Enquanto interagem, mantém viva a unidade que compõe e a tornam capaz de gerar incessantemente a própria forma. Vemos um pedaço de madeira que se mantém existindo durante um período de tempo sobre a terra. Ali estão prótons e elétrons interagindo incessantemente de forma a compor os átomos que se agregam em moléculas cujo conjunto percebemos como madeira. No mundo psíquico também mantemos nossas situações de acordo com elementos ativos e receptivos em nossa mente. Intenções, necessidades, desejos compõe as forças mais visíveis em nossa psique, movendo e nutrindo constantemente nossa experiência de vida. Toda tensão psíquica busca incessantemente a saciedade neutralizadora. Esta é a força da trindade, que permite a criação de todas as coisas em todos os níveis vibratórios. O processo criativo é representado pelo triângulo místico, tendo a neutralização como resultante do conflito da energia do binário. O estágio criador é também visto no símbolo do círculo com o ponto ao centro, símbolo da célula, do átomo, do sol: este é o símbolo da unidade da Vida há milênios na terra. Hermeticamente, representamos o triângulo do Poder Criador do Universo de duas maneiras:




Acima temos a representação dos dois grandes triângulos criativos: O triângulo descendente, ou involutivo, que representa binários de um plano sutil neutralizando-se em direção ao plano mais abaixo – manifestação do processo coagula; e o triângulo evolutivo, onde binários de um plano mais denso se neutralizam em direção aos níveis mais sutis – manifestação do processo solve. O Triângulo Ascendente tem a natureza Yang, opera de forma ativa, como ação da vontade no mundo físico, é ligado ao Fogo; O Triângulo Descendente opera pela da ação de forças dos níveis sutis, que nominamos Vontade Divina, e que percebemos como que vindo sobre nós, por isto essa recepção é passiva, portanto de natureza Yin, ligada à Água.
De forma ampla, podemos dizer que toda criação, do Mundo Sutil ao energético e ao físico, obedece ao primeiro movimento. A intenção inteligente toma para si a substância e adquire forma. A matéria é energia manifesta. O segundo movimento, do mundo físico ao sutil, descreve o processo dinâmico de neutralização de binários fenomênicos em direção à essência. Uma tempestade que cai dissipa a tensão atmosférica. Uma flor que desabrocha cumpre um papel no ecossistema e desaparece. Assim também, o esforço que os seres do mundo físico fazem por crescer na escala evolutiva, resolvendo conflitos através do processo cognitivo e criativo é um triângulo evolutivo. O exercício equilibrado da faculdade de livre arbítrio obedece ao triângulo evolutivo. A escolha define um caminho, que leva a uma finalidade. Um desejo gera uma tensão que se dissipa ao se obter a satisfação, da qual resta uma experiência interna (ponto neutro). Inúmeros exemplos podem ser pensados. O fato é que todo Universo se equilibra entre os dois movimentos criadores.
Podemos afirmar que há Causas (+) e Condições (-) que Interagem, resultando em Efeitos (N), tanto do sutil para o denso, quanto do denso para o sutil. A criação de situações na vida cotidiana de uma pessoa obedece esse padrão. Um conflito interno não resolvido (um karma negativo, por exemplo), acionará forças inconscientes na direção de um tipo de experiência, de forma a se obter um aprendizado, uma liberação. Dons e atributos positivos atrairão situações de qualidade positiva de forma a se dar experiências gratificantes. Por outro lado, atitudes positivas gerarão estados mentais positivos e elevação do nível vibratório da pessoa. Podemos ver isto refletido inclusive no desempenho do nosso corpo físico.
4. A Manifestação, o quarto componente do Tetragrammaton, pode ser explicitado pelo quadrado, que representa o que é visível na dimensão do que está realizado. Na matéria, no cruzamento das abscissas temos o dimensionamento de todo e qualquer objeto possível. As três dimensões – largura, comprimento e profundidade nos oferecem a possibilidade de ver, tocar, enfim, perceber qualquer volume. Quatro elementos fundamentais são necessários para compor qualquer corpo material – Fogo, Terra, Água e Ar. O quinto elemento, éter ou espaço é o elemento sutil no qual atua a energia imponderável que mantém as demais agregadas e em funcionamento. Espírito é o nome hermético dessa energia, que é onipresente.
Quando o Espírito “Deus-Pai” deixa a Matéria, ela é devolvida à “Deusa Mãe” – Substância, para desagregar-se e retomar outras formas sob novos comandos sutis. Nosso corpo físico (como o de qualquer ser, objeto, ou componentes da natureza) é composto de átomos que já fizeram parte de qualquer coisa que se possa imaginar; uma folha de couve, peixes, aves, quem sabe, dinossauros ou rochas do princípio dos princípios... No entanto, quando a energia de espírito deixa nosso corpo, ele é decomposto para vir a servir de substância para outras formas de vida. A representação do quarto estágio da Criação também pode ser feita através do Cubo, que veremos, foi amplamente utilizado nos arcanos do Tarot. Mas a representação talvez mais antiga e tradicional, embora poucos a entendam como tal, é a da Cruz de braços iguais, ou a Cruz Solar. Também ela é amplamente utilizada nos Arcanos do Tarot, e são muitas as formas encontradas para seu emprego simbólico, ligadas às Escolas da Tradição hermética no Ocidente e no Oriente.



Toda criação segue o esquema tetragramático, fisiologia pura do processo criativo que vem se repetindo desde tempos sem início. A repetição do processo cria tudo aquilo que se manifesta, e a consciência humana, como uma criança no universo, vai aprendendo e evoluindo com a dança da criação. Por isto, a cada Tetragrammaton corresponde um ponto, que simboliza o seu significado, a quintessência daquilo que se manifestou. Podemos representar esse processo assim: Yud – He – Vav – He.
O quadrado com um ponto no meio tem esse significado. Mas outros símbolos existem, e a representação mais antiga, talvez, seja a Sagrada Ank, ou Cruz Ansata dos egípcios. Ela representa a consciência que se desenvolve sobre a cruz da vida na matéria; também com esse sentido existe a Cruz Rosa-cruz, onde a rosa no centro da cruz representa a alma humana evoluindo na matéria. Os quatro braços da cruz simbolizam os quarto elementos, os quatro pontos cardeais, as quatro virtudes herméticas, os quatro elementos alquímicos, etc. (de acordo com G. O. Mebes, temos duas grandes interpretações para o lugar dos elementos na Cruz Solar, como veremos no capítulo do Imperador). Do ponto de vista hermético, não há sentido para a cruz com o corpo do Cristo pregado a ela; isto significa um corpo atado à matéria, onde ele já está de fato. A triste imagem do Cristo crucificado é uma meta-linguagem que apenas proclama o padecer físico e aliena o sublime sentido do próprio sacrifício da vida de Jesus para a Imortalização da Obra do Messias. A cruz é um símbolo hermético muito anterior ao cristianismo.

Joana Trautvetter

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