quinta-feira, março 10, 2011

Acupuntura - Parte I

Acupuntura - Parte I

Acupuntura ou Acupunctura é um ramo da Medicina tradicional chinesa e um método de tratamento chamado complementar de acordo com a nova terminologia da OMS - Organização Mundial da Saúde. Acupuntura consiste na aplicação de agulhas, em pontos definidos do corpo, chamados de "Pontos de Acupuntura", para obter efeito terapêutico em diversas condições. Atribui-se o nome Acupuntura, a um jesuíta europeu que retornando da China, no século XVII, adaptou os termos chineses Zhen Jiu, juntando as palavras latinas Acum (que significa agulha) e Punctum (picada ou punção). A tradução literal do termo chinês, no entanto, é bem diferente. O correto seria Zhen (agulha) e Jiu (moxa).A tradução causa a impressão de que o terapeuta só trabalha com agulhas. Os pontos e meridianos também podem ser estimulados por outros tipos de técnicas.É porque, na verdade, os pontos de Acupuntura podem ser estimulados por agulhas ou pelo aquecimento promovido por moxa, um bastão de artemísia em brasa, que é aproximado da pele para aquecer o ponto de acupuntura. Há, também, o método de estimulação por laser, ainda em estudos.

História da acupuntura

A história da Acupuntura é indissociável da história da Medicina na China. Há que se recordar que a cultura chinesa tem a mais antiga tradição de linguagem escrita (desde 3100 AC). Isto permitiu a transmissão de conhecimentos entre gerações, sem a deturpação típica da tradição oral. Na China, a história, período após o surgimento da escrita, é anterior à idade dos metais.

Pré-história

Animais estimulam pontos doloridos em seu próprio corpo, para alívio. O homem pré-histórico provavelmente já fazia o mesmo.

Na China antiga já se utilizavam as “Pedras Bian”, pedras pontiagudas, para tratamento da dor por estímulo de pontos doloridos, ou pontos “Ashi”. Em ruínas chinesas, da idade da pedra, datadas entre 10000 e 4000 AC, foram encontradas estas pedras.

Idade antiga

Em achados datados da Dinastia Shang , cerca de 1000 AC, já havia agulhas de bronze.

A medicina chinesa começou seu desenvolvimento documentado na era da Dinastia "Zhou", de 1027 AC a 221 AC. Naquele período, a medicina chinesa evolui de uma medicina xamânica , onde as doenças eram consideradas obras de espíritos demoníacos, para uma medicina mais evoluída, com embasamento filosófico. Durante o período chamado de "Média Era Zhou", de 772 AC a 480 AC, o confucionismo estabeleceu-se como um dos três pilares filosóficos da medicina chinesa (Confucionismo, Taoísmo e Budismo). Deste período vem a noção de que os atos de uma pessoa afetam diretamente a sua saúde, afastando a idéia de que as doenças eram de origem demoníaca.

Durante a "Era Zhou Tardia" de 480 AC a 221 AC, surgiu na China o Taoísmo. Data desta era uma das mais significativas diferenças entre a medicina Chinesa e a Ocidental. A persistência de antigas tradições mágico-demoníacas da Medicina Chinesa foram mantidas, junto a conceitos mais modernos de etiopatogenia.

Esta característica de manutenção de antigos conhecimentos junto a novos, é algo que a construção substitutiva da medicina Ocidental não soube fazer. No ocidente, o conhecimento moderno apaga o antigo. Na tradição Chinesa, o conhecimento antigo não é desprezado, mas fica armazenado, para referência.

A persistência deste conhecimento, em nossos dias, leva alguns praticantes de Medicina Chinesa a desconsiderar o conhecimento científico moderno, atendo-se ao caráter místico do conhecimento antigo. Tal fato deve ser visto com cautela. Um exemplo desta afirmação é a antiga prescrição de Acupuntura para apendicite aguda [1], que, sendo eficaz para aliviar a dor, sem o correto diagnóstico, pode retardar o tratamento cirúrgico, com grandes prejuízos para o paciente.

Em seguida, a dinastia "Qin" de 221 AC a 206 AC, embora conhecida como período de "queima de livros", teve o mérito de adotar a moeda e sistematizar pesos e medidas, construir estradas e organizar a escrita, promovendo o crescimento econômico e cultural para a Dinastia Han, de 206 AC a 220 DC.
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Datam desta época, três livros importantes da Medicina Chinesa. O Ma Wang Hui, o Nan jing (clássico das dificuldades) e o Huang Di Nei jing o livro do imperador amarelo. Foi redigido entre o primeiro e segundo séculos antes de Cristo, como uma compilação do conhecimento médico então existente. Escrito como se fosse pelo mítico "Imperador Amarelo", que teria vivido entre 2698 AC a 2598 AC, é dividido em dois livros. O primeiro, Su Wen, questões fundamentais, discorre sobre a teoria médica da época. O segundo livro, Ling Shu, ou eixo espiritual, é um manual de Acupuntura. Os dois livros tratam da aplicação dos conceitos de Ying e Yang na medicina, da teoria dos cinco elementos (ou cinco movimentos), descrevem a teoria dos meridianos, tratam do conceito do Qi e atribuem definitivamente aos sintomas causas orgânicas ao invés de causas sobrenaturais.

Durante a Dinastia Han, a fisiologia foi compreendida como a inter-relação entre os sistemas orgânicos.

Idade média

Entre 220 e 589, a China passou por novo período de instabilidade política. A introdução do budismo, embora pouco tenha modificado as práticas médicas então vigentes, introduziu o conceito de manutenção da saúde pela prática de exercícios físicos e de meditação. É desta época o livro Zhen Jiu Jia Yi Jing que é um texto clássico da Acupuntura e Moxibustão. Detalha os meridianos, os pontos e as técnicas de tratamento por Acupuntura e moxibustão.

Também deste período é a expansão da Acupuntura para o Japão, Coréia e Vietnam. Na curta Dinastia Sui, de 590 a 617, o médico Sun Si Miao combinou as teorias taoístas e budistas com a correspondência sistemática entre os sinais, sintomas e as doenças. Também descreveu vários pontos de Acupuntura localizados fora dos meridianos tradicionais, chamados de "Pontos Extras".

A dinastia Tang (618 a 906) é conhecida como a segunda idade do ouro na China. O império foi unificado. Os pilares filosóficos (Confucionismo, Taoísmo e Budismo) e o contato com outras culturas fizeram a China crescer intelectualmente. Nos outros países do oriente, a Acupuntura ganhou terreno e foi bem estudada. Em 702, é fundada a primeira escola médica imperial, em Nara, Japão, onde se ensinou a Acupuntura. Entretanto, o desenvolvimento da Acupuntura, na China no período Tang, foi modesto. Isto, porque a grande preocupação dos imperadores, era que se desenvolvessem elixires da longevidade.

A dinastia Song (960 a 1264)foi um período chamado de Neo-confucionismo. O conceito de Qi tornou-se outra vez popular e os princípios básicos da Medicina Chinesa ficaram bem estabelecidos em todas as áreas, Acupuntura e Moxibustão, Farmacoterapia, Nutrologia,etc. Em 1255, com a "Viagem à Terra dos Mongóis", o europeu William de Rubruk já fazia referências à Acupuntura.
A Dinastia Yuan, de 1264 a 1368 é o período durante o qual a China foi dominada pelos mongóis, liderados por Gengis-Khan. O Neo confucionismo prosseguiu e a Acupuntura, também progrediu. Em 1341, o médico "Hua Shuo" publicou Shi Si Jing Fa Hui. Este texto descreveu 303 pontos dos chamados 12 meridianos regulares e 51 pontos em dois meridianos extraordinários, totalizando 657 dos 670 pontos clássicos de Acupuntura.

A dinastia Ming, de 1368 a 1644, foi o período de consolidação do conhecimento médico chinês e, conseqüentemente, da Acupuntura.

Idade moderna

Monges Jesuítas, a partir do século XVI, cunharam o termo, em língua portuguesa, que significa "Punção com agulhas" perpetuando um erro de tradução.[2] Em Chinês, "Zhen Jiu" significa, literalmente, "Agulha e Moxa". Moxa é bastão de artemísia, enrolado como um charuto, usado para aquecer o Ponto de acupuntura.

A Dinastia Qing, que durou de 1644 a 1911, não foi um período de grande desenvolvimento para a Acupuntura e moxibustão, constituindo-se de modo geral, em período de estabilização e continuísmo em vários aspectos.

Idade Contemporânea

No século XIX, a dificuldade de comunicação com a China não impediu que a Acupuntura fosse praticada e estudada por médicos ocidentais.

Pesquisas médico-científicas foram publicadas também no início do século XX.[7] Porém, careciam de mais informações sobre o modo como a Acupuntura era praticada na China, que durante este período passara pela Revolução Chinesa, a qual cerrou as portas ao Ocidente.

Durante este período, na China, a prática da Acupuntura chegou a ser proibida pelo Partido Comunista da China, que a considerava um símbolo do antigo regime imperial. Os intelectuais foram perseguidos, e as escolas de Medicina que ensinavam Acupuntura foram fechadas.

Após 1949, quando Mao Tse-tung assumiu o poder, a China passou por um renascimento cultural e científico e a pesquisa e ensino da Acupuntura foram novamente permitidos e até incentivados, com a reabertura das escolas médicas chinesas.
Mas foi a partir de 1971, com o relato do efeito da acupuntura no tratamento das dores pós-operatórias do jornalista James Reston, que foi submetido a uma apendicectomia enquanto estava na China, e após 1972, com a visita do presidente Norte-americano Richard Nixon, àquele país, que a Acupuntura passou a ser melhor estudada pelo método científico, no Ocidente, graças ao reatamento de relações internacionais que permitiu a melhor troca de informações entre os cientistas.

Visão tradicional chinesa
A visão tradicional da medicina chinesa está profundamente ligada a teorias baseadas no Taoísmo, sobre a dualidade Yin/Yang, sobre meridianos e outros conceitos bastante "exóticos" para a ciência médica ocidental. Contudo, contribuições da Antropologia, mais especificamente da Antropologia Médica, vem facilitando o entendimento destes conceitos à luz da interpretação lógica das explicações mítico-religiosas compreendidas como sistemas etnomédicos capazes de dar respostas às demandas por cuidados de saúde de uma determinada população.

O Yin e o Yang são aspectos opostos de todo movimento no universo. É um conceito hoje considerado quântico que os médicos chineses antigos conseguiram adaptar para a medicina.No corpo do homem existe um equilíbrio que pode ser alterado por diversos tipos de influências, como alimentar, comportamental e muitas outras.

Existem muitas formas de diagnóstico na medicina tradicional chinesa. Algumas delas são a pulsação, a observação e aspectos da língua, a cor e aspectos da pele. Um médico chinês costuma dizer que não se deve olhar apenas o paciente, mas escutá-lo, tocá-lo, cheirá-lo, provar sua urina e conhecer as suas fezes.

Uma consulta baseada no modelo tradicional chinês pode levar de vários minutos a algumas horas. O terapeuta questiona vários aspectos da vida incluindo a infância, expressão das emoções, a alimentação, hábitos e costumes.

A natureza das explicações tradicionais da medicina chinesa não tornam essa prática essencialmente distinta de outros sistemas etno - médicos, exceto porém por sua notável semelhança com a medicina hipocrática - a quem se atribui a origem da moderna medicina cosmopolita. O estudo de sua história revela seu rompimento com algumas tradições "mágicas" e incorporação do conhecimento empírico proveniente de cuidadosas observações, consolidado no que vem sendo chamado do paradigma do Yin - Yang e dos 5 movimentos descrito nos livros clássicos para os orientais ou documentos etnológicos brutos para a antropologia estrutural. Entre os livros clássicos o mais conhecido é, sem dúvida o "Livro do Imperador Amarelo" cujo exemplar mais antigo foi encontrado em um túmulo da dinastia Han (Fu Weikang).

Mecanismos de ação da Acupuntura
Dentro do conhecimento atual de fisiologia, a Acupuntura é um método de estimulação neurológica em receptores específicos, com efeitos de modulação da atividade neurológica em três níveis – local, espinhal ou segmentar, e supra-espinhal ou suprasegmentar.

Já em 1921, Goulden concluiu sobre a participação do Sistema nervoso autônomo na Acupuntura, através dos nervos simpáticos, observando também que os pontos de Acupuntura possuem impedância menor entre si que os pontos próximos ou circunjacentes

Chiang e Cols, em 1973, demonstraram que o efeito da Acupuntura é conduzido através dos nervos, ao constatarem que o estímulo acupuntural não surtia efeito quando aplicado em área bloqueada por anestésico local..

Chan, 1984, concluiu que muitos dos pontos de Acupuntura correspondem a locais de penetração das fibras nervosas na fáscia muscular, 309 pontos estão localizados sobre terminações nervosas e 286 pontos localizados sobre os principais vasos sanguíneos, rodeados pelos Nervi vasorum, a inervação própria dos vasos sanguíneos. Alguns pontos de Acupuntura correspondem aos pontos gatilhos (Trigger points, em inglês), que são pontos localizados na musculatura, sensíveis ao toque e que condicionam o surgimento de sintomas à distância, como dores de cabeça, por exemplo. Em 1985, foi descoberto que a aplicação de agulhas de Acupuntura estimulava fibras nervosas específicas e que as sensações produzidas pelo estímulo por acupuntura correspondem àquelas experimentadas pelo estímulo das fibras nervosas do tipo A delta (A ?), como choque, sensação de peso ou parestesia.

A Acupuntura aplicada em áreas de pele acometidas por Neuralgia pós-herpética não se mostrou eficaz (Embora o efeito analgésico possa ser obtido puncionando-se outras áreas) . E foi demonstrado que, na Neuralgia pós-herpética, a sensação típica da estimulação de fibras A ? está ausente

Ação segmentar da Acupuntura

Ação segmentar da Acupuntura é o conjunto de mecanismos fisiológicos que ocorrem do local do estímulo com agulha até a medula espinhal. O estímulo de fibras nervosas "A ?" por agulhas de Acupuntura ativa o interneurônio inibitório, ou célula pedunculada, na lâmina II do corno posterior da medula espinhal. A célula pedunculada, com a liberação de metencefalina, bloqueia, na área conhecida como Substância Gelatinosa, a transmissão do sinal da dor conduzido pelas fibras tipo "C" para os tratos ascendentes da medula. Por outra via ascendente, o Trato espino talâmico, o estímulo da fibra "A ?" é conduzido ao Córtex cerebral, onde são interpretadas, ou "percebidas" as sensações de peso, distensão, calor ou parestesia que ocorrem durante o estímulo por acupuntura.
Ação supra-segmentar da Acupuntura

O estímulo das fibras A ? prossegue através do Trato espino talâmico até o córtex cerebral, onde é percebido conscientemente e à medida que segue neste trajeto, há colaterais para os diversos níveis da medula espinhal, com liberação de Beta-endorfina, um dos tipos de Morfina do próprio organismo, e afetando vias neurológicas descendentes que terminam por reforçar a estimulação da célula pedunculada, com efeito analgésico sobre o estímulo das fibras tipo C, e que usam o neurotransmissor Serotonina, o chamado "Hormônio do bem-estar", o que explica bem os efeitos da Acupuntura não só no tratamento da dor, como também da Depressão e dos estados de Ansiedade.

Ação Central da Acupuntura

O estímulo da agulha de Acupuntura atinge áreas do encéfalo mais elevadas, como o Hipotálamo e a Hipófise, promovendo o equilíbrio do funcionamento destes centros. Como a Hipófise é uma Glândula, ocasionalmente chamada de Glândula Mãe, que coordena a função de diversas outras glândulas do corpo, o efeito da Acupuntura sobre este órgão afeta o funcionamento das Glândulas supra renais, da Tireóide, dos ovários, dos testículos, e assim tem ação terapêutica sobre a Hipertensão arterial, Dismenorréia, Tensão pré-menstrual, disfunções da Libido, e outras patologias.

Neurotransmissores na Acupuntura

Até o presente momento, sabe-se que a Acupuntura afeta a expressão e ou liberação de serotonina, e dos peptídeos opióides beta-endorfina, meta-encefalina, e dinorfina. A colecistocinina, peptídeo envolvido no processo digestivo, é antagonista da acupuntura[8]. Considerando que a colecistocinina é estimulante da secreção ácida do estômago, temos daí a compreensão do efeito benéfico da acupuntura sobre as gastrites, úlceras e na Doença de refluxo gastroesofágico. A Naloxona, inibidor da ação de opióides, muito utilizada em Medicina antagoniza os efeitos da Acupuntura[9]. Em dado momento, postulou-se que a ação da Acupuntura seria fruto apenas da liberação de endorfinas, entretanto, a rápida instalação da analgesia e sua duração maior que o tempo de aumento da quantidade de opióides pela Acupuntura liberados demonstra que outros mecanismos estão envolvidos

HISTÓRIA DA MEDICINA CHINESA

O Ocidente teve sua atenção voltada para a acupuntura por causa do artigo do jornalista James Reston, publicado em 1971, que descrevia o efeito da acupuntura nas suas dores pós-operatórias depois de submetido a uma apendicectomia de emergência, quando acompanhava a equipe norte-americana de tênis de mesa. Desde então a acupuntura foi sendo adotada pela medicina ocidental, em princípio cercada de preconceitos, mas ultimamente como uma especialidade médica, caso do Brasil, sendo reconhecida pelas seguradoras da área da saúde, inclusive as HMO americanas.

Podemos reconhecer três maneiras de estudar a história da medicina chinesa:

1. Assumir que os conceitos chineses de doença e tratamento são superiores aos ocidentais: Manfred Porkert

2. Uma visão histórica que enfatiza os aspectos que seriam precursores do pensamento médico ocidental atual, tomando este como verdade científica: Joseph Needham

3. Estudar a medicina como um aspecto da cultura chinesa: Paul Unschuld

Uma das características da civilização chinesa é sua capacidade sincrética. Contrariamente ao ocidente, na China os novos conceitos não anulavam os anteriores e sim, conviviam ao mesmo tempo. Não havia um processo dialético de síntese e nem a substituição do paradigma antigo por um novo. Isto fez com que conceitos contraditórios fossem usados ao mesmo tempo para explicar um fenômeno. Desta forma, podemos encontrar os seguintes aspectos no que chamamos medicina chinesa:

• terapia oracular
• medicina sobrenatural ou dos demônios
• cura religiosa
• terapia farmacológica pragmática
• medicina budista
• medicina de correspondência sistemática

Com relação ao elo causal necessário à explicação da doença, podemos encontrar duas formas de pensamento na medicina chinesa:

1. Relações de causa-efeito entre fenômenos correspondentes
2. Relações de causa-efeito entre fenômenos não correspondentes

Fenômenos seriam manifestações de um número variável de princípios; fenômenos que são manifestações de um mesmo princípio são correspondentes: mudança em um afeta o outro. Na correspondência sistemática há um número limitado de princípios. Todos os fenômenos podem ser classificados como um dos dois ("yin yang") ou um dos cinco ("Cinco Fases" wu xing) princípios. Outra possibilidade seria a dos fenômenos coexistirem independentemente e, sob determinadas condições, exercerem influências mútuas benéficas ou prejudiciais. O vento, a umidade, a comida poderiam, em certas condições, afetar o homem.

Segundo Unschuld, a pluralidade de conceitos envolvendo causalidade da doença é inevitável numa sociedade onde grupos diferentes coexistem em realidades socioeconômicas diferentes; mudança nestes conceitos é inevitável numa sociedade onde ocorre mudança sociopolítica básica; conceitos de saúde antigos sobrevivem em grupos sociais que continuam a seguir uma ideologia sociopolítica coerente; um grupo que esteja em busca de influência política ou de domínio criará ou apoiará um conjunto específico de conceitos terapêuticos consistentes com suas normas sociais. Com estas noções em mente podemos então passar para a história propriamente dita.

Medicina na Era Shang

A era Shang foi a primeira a deixar sinais de atividades terapêuticas, segundo achados arqueológicos datados dos séc. 18-16 AC, no curso médio do Rio Amarelo.

Já havia uma forma precursora da escrita ideográfica, que era encontrada em carapaças de tartarugas e ossos de animais usados como oráculo. Estas carapaças e ossos eram perfurados e submetidos ao calor; as rachaduras resultantes eram interpretadas pelo rei ou por um adivinho.

As bases econômicas eram a agricultura e o gado. Existiam pequenas cidades onde vivia a nobreza, enquanto a maior parte da população habitava o campo.

A comunidade era formada pelos vivos e pelos mortos, os ancestrais, que dependiam dos vivos e seus rituais, enquanto os vivos eram dependentes dos favores ou maldições dos seus ancestrais.

Ti era o ancestral supremo, que provia assistência nas colheitas e nas guerras, e que era influenciado pelos ancestrais do rei.

Os Shang já reconheciam algumas (poucas) doenças, a mais importante delas sendo "maldição de um ancestral", cujos sintomas poderiam abranger desde dor de dentes até derrota na guerra.

Os procedimentos preventivos e terapêuticos envolviam presentes e oferendas aos ancestrais.

Há referências a outras causas de doenças, como "vento maligno" ou "neve", que seriam combatidos através dos shamans.

Medicina na Era Chou

Os Shang concentravam sua autoridade na capital, enquanto as regiões externas eram frágeis frente à agressão estrangeira. Por causa desta fragilidade, os Chou tomaram o poder em 1100 AC, fundando a era que toma seu nome.

A era Chou foi um período de equilíbrio sociopolítico, num sistema similar ao feudalismo europeu. Foi um tempo de paz que se interrompeu em 771 AC, com a perda gradual do poder imperial após uma série de lutas sucessórias, até 481 AC, quando se iniciou o período chamado "Estados em Guerra", em que houve um acentuado declínio moral, as velhas ordens e regras perdendo o sentido, não havendo mais o conceito de "honra" que incluia até a ética da guerra, cujo objetivo passara a ser não mais a derrota do inimigo e sim sua total aniquilação.

Estes pequenos estados em guerra criaram um mundo caótico, e o período estável do início da era Chou passou a ser considerado e lembrado como um tempo idílico. Confúcio nasceu neste período conturbado, e sua filosofia buscaria o tempo idílico, de harmonia e paz, do início da era Chou.

Em 221 AC o estado Ch'in conseguiu a supremacia sobre os outros e unificou a China. O novo rei, Shih Huang Ti, rejeitou os valores feudais que ainda restavam, e fundou um estado baseado no crescimento de riqueza material e poder militar, adotando o pensamento dos Legalistas, que preconizava um sistema rígido de leis, padronizando pesos, medidas, até a largura das estradas. Shih Huang Ti ordenou a queima de toda a literatura que não fosse científica ou religiosa, mas morre 11 anos depois de tomar o poder, começando então a era Han.

Durante a era Chou, a causa dos infortúnios, antes baseada nos ancestrais e suas influências sobre os vivos, passa a tomar em conta a percepção de que "demônios" teriam importância na vida cotidiana. A harmonia nos relacionamentos não seria mais mantida pelos ancestrais, e foram criados mitos reconhecendo "demônios" que exerceriam influências maléficas sobre o homem. Cresce de importância a presença dos shamans Wu. Estes shamans utilizavam seu acesso aos espíritos mais graduados para controlar os demônios, através de exorcismos, geralmente usando espadas e lanças. Há a atribuição de horas ou dias determinados como os mais apropriados para os rituais shamânicos. São utilizados talismãs, que são queimados e administrados sob a forma de poções, assim como drogas medicinais que serviriam para expulsar os demônios do corpo, especialmente venenos, usados como amuletos ou incensos, plantas com a aparência de armas ou cujo nome pudesse ser associado a uma arma.

Contrariamente à medicina na era Shang, o respeito às regras, ritos e convenções sociais não era proteção contra a doença.

Há o surgimento de uma forma rudimentar de acupuntura, onde agulhas sob a forma das espadas dos exorcistas eram inseridas ou pressionadas sobre treze pontos determinados da superfície da pele, para tratar as doenças causadas pelos demônios. Esta forma de acupuntura não teria como objetivo tratar as doenças em si, e sim, expulsar e combater os demônios. Não há indícios de acupuntura terapêutica no sentido real antes de 90 AC.

A Medicina de Correspondência Sistemática

Como vimos anteriormente, correspondência sistemática, no caso da medicina Chinesa, significa o reconhecimento de um sistema no qual os fenômenos se qualificam segundo princípios, e fenômenos de igual qualificação teriam poder de influência mútua. Se A e B são classificados como yang, por exemplo, agir sobre A causaria um efeito similar em B, pois pertencem à mesma classificação sistemática. Na Medicina Chinesa os princípios básicos são "yin yang" e "Cinco Fases" (wu xing), que veremos em capítulos a seguir.

O caos existente na era "Estados em Guerra" motivou o surgimento da forma de pensar que caracteriza a medicina de correspondência , que tem como pontos principais: a crença mágica na unidade da natureza; o uso dos princípios "yin yang" e "cinco fases"; englobar alguns conceitos oriundos da medicina dos demônios; o conceito de "Qi" como a base da vida, que seriam "influências materiais sutis", segundo Unschuld, sendo que esta forma de pensar apresentaria certas características da estrutura do império chinês por fim unificado, como veremos adiante.

O princípio "yin yang" surge por volta do quarto século AC, sendo sua primeira citação encontrada no "Shih Chi". No livro "Huang Ti Nei Ching" encontramos a sua primeira aplicação em medicina. Existiram várias escolas baseadas no "yin yang", algumas usando quatro subdivisões, outras seis subdivisões, e o "Nei Ching" é uma tentativa de integrar estas várias correntes com as "Cinco Fases". Uma grande dificuldade que encontramos no estudo de alguns destes conceitos é que às vezes o mesmo termo pode significar conceitos diferentes, em função do contexto onde se insere.

Apesar de encontrarmos em várias citações o Taoísmo como sendo a base da medicina chinesa, Unschuld demonstra ser o Confucionismo o maior contribuinte em relação ao modo de pensar da Medicina de Correspondência Sistemática. O "Nei Ching", tratado fundador desta medicina, cita quase textualmente um trecho de Hsun Tzu, seguidor de Confúcio, que diz que o indivíduo e a sociedade podem ser ameaçados por processos naturais, mas que a prevenção seria adotar as medidas apropriadas. O próprio Confucionismo adotou o "yin yang" e as "Cinco Fases" para explicar mudanças sociais e políticas.

A Medicina de Correspondência Sistemática usa termos bélicos, influência da sua fase formativa nos "Estados em Guerra". Os males não seriam causados por demônios, e sim por influências e emanações abstratas ou concretas. Surge o conceito de "Qi" , possivelmente originário da idéia do "vento" como uma entidade causadora de doenças, idéia por si que nasce no conceito de demônios. Em princípio, "Qi" seria somente a influência malévola, mas com o tempo evoluiu para o conceito atual, aproximadamente "influências materiais sutis", como vimos acima. (Para uma discussão mais aprofundada sobre a tradução de "Qi", veja em "Qi e Energia:Tradução, Tradição, Traição"). Surgem os conceitos de "repleção" e "depleção": "repleção" seria a supremacia de influências malévolas, enquanto "depleção" seria a perda das influências apropriadas do organismo.

A saúde e a harmonia seriam consequência de não haverem extravagâncias ou excessos, sejam alimentares, sexuais, climáticos ou morais.

A patologia na Medicina de Correspondência Sistemática constituia em:

1) "repleção" ou "depleção" nos órgãos Zang Fu
2) obstrução nos canais ou meridianos Ching.
Podemos entender o surgimento destas idéias se associarmos que, nesta mesma época, o império se unia e se integrava, surgindo grandes metrópoles, desenvolvendo-se o comércio e as trocas, com a necessidade da melhora dos meios de transportes, assim como da construção de grandes depósitos que assegurassem o fornecimento de grãos à população. Nasce um sistema complexo cujo funcionamento dependia de que as relações entre as partes deste sistema estivessem harmonizadas. O bem estar geral dependia da troca de recursos entre as partes do sistema. A terminologia médica usou os termos e os conceitos empregados no sistema como um todo: Zang, depósitos ou órgãos onde o Qi se armazenava; Fu, palácios por onde o Qi passava; Ching-Lo, canais que uniam todo o sistema, como os rios e canais da China integravam o império. Refletindo o que ocorre na irrigação dos campos e na navegação dos rios, era necessário que este fluxo fosse contínuo, sem obstruções ou transbordamentos, que levariam a falhas na distribuição dos bens, causando deficiência nos centros de consumo e excesso nos centros de produção. A Medicina de Correspondência Sistemática tem como objetivo então identificar e localizar estas obstruções, deficiências e repleções, tratando através da normalização do fluxo do Qi nos canais (ou meridianos), não se valorizando a anatomia, e sim as funções envolvidas.

A Acupuntura

A primeira descrição histórica da acupuntura como terapêutica é feita por Ssu Ma Ch'ien no "Shih Chi", 90AC. Foram descobertos recentemente nas tumbas encontradas em Ma Wang Tui livros que descrevem onze canais separados, cada um associado a uma gama de sintomas específicos, sem referência a pontos de acupuntura. Não se explicita nestes livros que tipo de circulação haveria, ou se haveria tal circulação, e somente quatro destes canais são associados aos órgãos. O tratamento seria efetuado através da queima de lã de Artemísia, ou "moxa", ou pela punção de abcessos feita com pedras ponteagudas.

O "Nei Ching" traz a primeira sistematização de todos os conceitos de saúde existentes no final da era dos "Estados em Guerra" e início da era Han. Surgem os pontos como locais de estímulo, os doze canais e a associação entre canais e órgãos. É um livro algumas vezes contraditório, possivelmente escrito por vários autores de épocas diversas, e que engloba conceitos antagônicos, bem ao modo sincrético da cultura chinesa.

Posteriormente o "Nan Ching" refina a Medicina de Correspondência Sistemática, definindo as regras e procedimentos que seriam utilizados pela acupuntura até os nossos dias. Somente na era Song surge outra obra importante, o "Da Cheng", que reúne a experiência prática de acupuntura existente nesta época. O "Nan Ching" foi um pouco esquecido como referência básica nos séculos seguintes, a visão sincrética e controversa do "Nei Ching" se estabelecendo como a principal, inclusive tendo sido a que primeiro se conheceu no Ocidente.

A Acupuntura no Ocidente

Notícias sobre uma forma exótica de medicina praticada pelos chineses já chegavam ao Ocidente desde 1255, com a "Viagem à Terra dos Mongóis", de William de Rubruk. Padres jesuítas portugueses, ao viverem longos períodos no Japão à partir do século 16, puderam conhecer mais detalhes da forma japonesa de praticar a medicina chinesa. No século 17 começaram os relatos médicos propriamente ditos, feitos por médicos ocidentais que viveram na Ásia, como Jakob de Bondt, Buschof, Willem ten Rhijne, Engelbert Kaempfer. Houve então um período de enorme interesse pela acupuntura, que já havia passado quando Dabry de Thiersant publicou em 1863 "A Medicina dos Chineses", citando inclusive trechos do "Da Cheng". Talvez por causa da presença francesa na Indochina, somente na França ainda encontraríamos algum interesse esporádico em acupuntura, até que Soulié de Morant publicou "A Acupuntura Chinesa". Soulié de Morant tentou despertar o interesse médico pela acupuntura, porém o fato de não ser médico contribuiu para uma reação negativa por parte da comunidade científica da época.

Alguns dos termos empregados por ele, como "energia", "meridianos", permanecem em uso até hoje em algumas escolas ocidentais de acupuntura.

Depois, surgem os trabalhos de Chamfrault, e Niboyet, médicos franceses pioneiros, além de Nguyen van Nghi, médico vietnamita que vive na França.

O interesse da comunidade médica foi finalmente aceso quando houve a notícia de que o jornalista americano James Reston foi tratado com acupuntura, e de que na China a acupuntura era usada como analgesia em cirurgias. Várias clínicas de dor crônica passaram a usá-la como terapia, e com o despertar do movimento alternativo, mais e mais médicos passaram a se interessar pela acupuntura.

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