terça-feira, agosto 23, 2011

Nós realmente precisamos passar por uma regressão para nos libertar das samskaras?



Nós realmente precisamos passar por uma regressão para nos libertar das samskaras? Afinal de contas, muitos mestres hindus alcançaram a iluminação meditando, sem se preocuparem sobre catarse emocional.
Primeiramente, você deveria considerar que o ambiente psicológico de discípulos hindus meio século atrás não pode ser comparado ao peregrino de hoje vivendo em Los Angeles ou Milão. Nossa civilização alcançou um nível sem precedente de neurose, e antes de tentar se tornar supernormal, é sábio trabalhar para ficar normal. Contanto que o nível de existência do tipo Papai-mamãe, namorada-namorado não tenha sido solucionado, por que enganar a si mesmo fingindo viver uma vida divina? Tal atitude significaria correr o risco de meditar durante cinqüenta anos sem qualquer abertura real, simplesmente porque as teias enroscadas de sua mente reacional não podem, de maneira alguma, serem comparadas à simplicidade emocional do povo indiano. Hoje em dia, a Índia mudou muito, e o nível de neurose das pessoas não é muito diferente do nosso.
Aparte disso, seria totalmente infiel dizer que os discípulos hindus ou budistas não tiveram que passar por um processo longo e doloroso de catarse emocional antes de entrar em suas gloriosas meditações. Mas este trabalho nas samskaras era feito de um modo diferente.
Achar um mestre não era um empreendimento fácil. Na Índia ou Tibet, até pouco tempo atrás, aqueles que pretendiam ser discípulos, freqüentemente tinham que viajar durante vários anos e enfrentar todos os tipos de perigos antes de conseguirem achar um mestre – o que representava um processo de iniciação em si mesmo.
Tendo achado o guru, os problemas dos discípulos tinham apenas começado. As tradições hindus e budistas estão cheias de histórias de mestres que levavam seus discípulos ao limite da insanidade para ajudá-los a libertar-se de seus preconceitos mentais e de suas samskaras. Só depois de ter sido “cozinhado” assim durante anos, o discípulo receberia a iniciação.
Pegue a história do grande mestre Milarepa, por exemplo. Durante seus anos de preparação, seu guru Marpa lhe pedira que construísse uma casa circular em uma colina, depois da qual Milarepa receberia a iniciação. Quando Milarepa tinha construído metade da casa, Marpa voltou e disse, “Olha, filho, eu acho que este, realmente, não é um lugar bom para uma casa. Então, derrube-a e ponha as pedras de volta aonde você as pegou.” Milarepa achou difícil dar conta da tarefa, mas fez como lhe foi falado. Uma semana depois, Marpa levou Milarepa sobre outra colina e lhe falou, “Aqui é onde eu
79quero a casa, e deveria ser semi-circular.” Ansioso para receber sua iniciação, Milarepa começou a nova edificação imediatamente.
Quando Milarepa tinha erguido aproximadamente a metade da casa semi- circular, Marpa voltou e disse, “o que é esta choça ridícula que você está construindo aqui?” Milarepa estava confuso, e quando ele conseguiu articular que estava apenas seguindo as instruções que tinham sido determinadas, Marpa respondeu, “eu disse isso? Eu deveria estar bêbado neste dia. Mas hoje eu não estou bêbado, e eu tive uma boa idéia para a casa. Uma casa tântrica deveria ser triangular. Assim você demolirá sua choça, levará todas as pedras para esta outra colina, e me construirá que uma casa tântrica triangular.” Milarepa quase teve um colapso quando ouviu estas palavras. Marpa, bêbado, como pôde ser isso! E a casa a ser reconstruída novamente! Milarepa estava exausto, com suas mãos cheias de bolhas, e ele tinha uma ferida grande nas costas que não quis mostrar a Marpa, com medo de desagradá-lo. Milarepa estava desanimado e confuso, mas ele realmente queria achar a Verdade. Ele tinha duas escolhas, ou partir e renunciar à iniciação, ou confiar em Marpa incondicionalmente e continuar construindo. Assim, ele juntou suas últimas forças, e começou a demolir sua bonita casa semi-circular e levar as pedras para a outra colina.
Depois que Milarepa tinha completado quase um terço da casa triangular, Marpa chegou no local. Ele parecia muito bravo. Ele gritou, “Você, feiticeiro imundo! Você não percebe que a forma deste edifício vai atrair todos os demônios da área? Você está tentando destruir a mim e minha família? Quem lhe disse que construísse tal casa monstruosa?” Dominado pelo desespero, Milarepa quase não podia responder, “Mas você me pediu!” Marpa estava ficando mais bravo e mais bravo. “O mentiroso ignominioso!” ele disse, “eu nunca ordenei isso! Como você pode estar tão insolente? E você queria que eu o iniciasse! Derrube esta casa imediatamente e reponha as pedras onde você as achou!” Então Marpa partiu. A noite que veio era uma noite sem luar – a noite mais escura de toda a vida de Milarepa. Ele estava simplesmente rachado ao meio; toda a sua estrutura mental tinha sido arrebentada. Mas por alguma razão, ele não partiu.
Na manhã seguinte, Marpa enviou sua esposa para pegar Milarepa. Eles lhe deram uma boa comida, e de repente Milarepa viu suas dificuldades se acabando e pensou que seria iniciado. Mas não! Marpa o manteve construindo e demolindo casas durante anos, algumas quadradas, outras com nove pavimentos de altura, e ele usou muitos outros subterfúgios para jogar Milarepa em crises constantes de desespero. Milarepa quase cometeu suicídio várias vezes.
Então, um dia, o caminho da desintegração estava completo, e para sua grande surpresa, Milarepa recebeu a tão esperada iniciação de repente. Depois disto, Milarepa se tornou um dos mais iluminados gurus da tradição tibetana.
Histórias semelhantes nas quais gurus puseram seus discípulos em situações impossíveis para ajudá-los a trabalhar suas samskaras, poderiam encher livros inteiros. Estas tentativas podem ser consideradas um equivalente do trabalho feito através da regressão – o qual, visto por esta nova perspectiva, não é, afinal de contas, tão duro!

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