O antigo poeta grego Arato de Solos nos conta a seguinte história sobre a
constelação de Virgo:
- Virgo –
ele diz – talvez tenha pertencido à raça estelar, os antepassados das estrelas
antigas. Em tempos primitivos, na era de ouro, ela viveu entre a humanidade
como a Justiça personificada e exortava as pessoas a aderirem à verdade. Nesta
época, as pessoas viviam pacificamente, sem hipocrisia ou discussões.
Posteriormente, na era de prata, ela escondeu-se nas montanhas, mas,
ocasionalmente, ela descia de lá para repreender severamente as pessoas por
seus atos maléficos. Mas, finalmente, chegou a era de bronze e as pessoas
inventaram a espada. E então “provaram a carne das vacas, os primeiros a
fazerem isso”. Neste momento, Virgo “voou para a esfera”; isto é, ela partiu
para o reino celestial. [1]
A literatura
Védica oferece uma descrição elaborada do universo como um cosmos – um sistema
harmonioso e ordenado criado de acordo com um plano inteligente como uma
habitação para os seres vivos. A visão moderna do universo é tão diferente da
visão Védica que esta última é, atualmente, difícil de compreender. Em tempos
passados, entretanto, cosmogonias similares ao sistema Védico eram amplamente
difundidas entre as pessoas por todo o mundo. Eruditos da atualidade tendem a
imediatamente descartar tais sistemas de pensamento como mitologia, apontando
para sua diversidade e para suas estranhas ideias como uma prova de que são
todos simplesmente produtos da imaginação.
Ao fazermos
isso, contudo, talvez estejamos negligenciando importantes informações de algo
que poderia lançar luz sobre o vasto e esquecido período que precede à curta
extensão da história humana registrada. Certamente há muita evidência de
contadores de histórias independentes na tradição de várias culturas, mas há
também muitos temas em comum. Alguns desses temas se encontram de forma
altamente desenvolvida na literatura Védica. Sua presença em culturas ao longo
do mundo é consistente com a ideia de que, no passado distante, a cultura
Védica exerceu influência mundial.
A literatura
Védica, trata o tempo como uma manifestação de Krsna, o Ser Supremo. Como tal,
o tempo é uma força controladora que regula as vidas dos seres vivos de acordo
com um plano cósmico. Tal plano envolve repetidos ciclos de criação e destruição
de variadas durações. O menor e mais importante desses repetitivos ciclos
consiste nas quatro yugas, ou eras, chamadas Satya, Treta, Dvapara e Kali. Em
tais sucessivas eras, a humanidade gradualmente descende de uma plataforma
espiritual elevada para um estado degenerado. Então, com o começo de uma nova
Satya-yuga, o estado original de pureza é restaurado e o ciclo recomeça.
A história
de Virgo ilustra que, no mundo mediterrâneo antigo, havia uma difundida crença
em uma similar sucessão de quatro eras, conhecida por eles como as eras de
ouro, prata, bronze e ferro. Nesse sistema, a humanidade também inicia na
primeira era em um estado avançado de consciência e gradualmente se torna
degradada. Também neste, os progressivos desenvolvimentos da sociedade humana
não estão simplesmente evoluindo por processos físicos, mas são superintendidos
por uma inteligência controladora superior.
É válido
observar que a história de Arato especifica o uso de vacas como alimento como
um ato pecaminoso que desfaz o contato direto da humanidade com os seres
celestiais. Tal detalhe é bastante condizente com a muito antiga tradição
indiana de proteção à vaca, mas não é algo esperado no contexto da cultura
grega ou europeia.
Uma
explicação para similaridades entre ideias encontradas em diferentes culturas é
que as pessoas têm, em toda parte, essencialmente a mesma estrutura
psicológica, e, portanto, elas tendem, de modo independente, a produzir noções
similares. Não obstante, detalhes como o ponto concernente à matança de vacas
sugerem que estamos lidando aqui com tradições comuns, e não invenções
independentes.
Outro
exemplo de similaridades entre culturas pode ser encontrado entre os nativos da
América do Norte. Os índios Dacota dizem que seus ancestrais foram visitados por
uma mulher celestial que lhes deu o sistema de religião deles. Ela lhes apontou
que há quatro eras, e que há um búfalo sagrado que perde uma perna a cada era.
No momento presente, estamos na última era, uma era de degradação, e o búfalo
tem uma perna apenas. [2]
Esta
história é um paralelo bastante próximo da narrativa do Srimad-Bhagavatam do
encontro entre Maharaja Pariksit e o touro do Dharma. Ali, é dito que Dharma
perde uma perna a cada yuga sucessiva, deixando-o com apenas uma perna na
presente Era de Kali.
De acordo
com o sistema Védico, a duração das eras de Satya, Treta, Dvapara e Kali são 4,
3, 2, e 1 vezes um intervalo de 432.000 anos respectivamente. Dentro desses
imensos períodos de tempo, a duração da vida humana é reduzida de 100.000 anos
em Satya-yuga para 10.000 anos em Treta-yuga, 1.000 anos em Dvapara-yuga e,
finalmente, 100 anos em Kali-yuga.
É claro que
esta idéia é deveras estranha dentro da moderna visão evolucionista do passado.
No mundo mediterrâneo antigo, no entanto, era amplamente acreditado que a
história humana se estendia por períodos de tempo muitíssimo longos. Por
exemplo, de acordo com registros históricos antigos, Porfírio (aprox. 300 a.C.)
disse que Clístenes, um companheiro de Alexandre na guerra persa, despachou
para Aristóteles registros babilônicos de eclipses, e que tais registros
cobriam 31.000 anos. Similarmente, Jâmblico (século quarto) disse sob a
autoridade do astrônomo grego da antiguidade Hiparco que os assírios haviam
feito observações por 270.000 anos e que haviam mantido registros do retorno de
todos os sete planetas à mesma posição. [3] Finalmente, o
historiador babilônico Berosus especificou 432.000 anos para a duração total
dos reinos dos reis babilônicos antes da Inundação. [4]
Não
desejamos sugerir que tais afirmações sejam verdadeiras (ou que elas sejam
falsas). O ponto aqui é que as pessoas na civilização mediterrânea antiga
possuíam uma visão muito diferente do passado em relação à visão dominante da
atualidade; e tal visão é amplamente consistente com a cronologia Védica.
Embora a
Bíblia seja bem conhecida por advogar um brevíssimo espaço de tempo para a
história humana, é interessante notar que ela contém informações indicando que
pessoas, em dado momento, viviam por cerca de 1.000 anos. No Antigo Testamento,
as seguintes idades são atribuídas a pessoas vivendo antes da Inundação
Bíblica: Adão, 930; Set, 912; Enos, 905; Matusalém, 969; Lemeque, 777; e Noé,
950. Se excluirmos Enós (que se diz ter sido levado para o céu em seu próprio
corpo), essas pessoas viveram uma média de 912 anos. [5]
Após a
Inundação, todavia, as seguintes idades são registradas: Sem, 600; Arfaxad,
438; Selá, 433; Éber, 464; Pelegue, 239; Ragaú, 239; Serugue, 230; Nahor, 148;
Terá, 205; Abraão, 175; Isaque, 180; Jó, 210; Jacó, 147; Levi, 137; Coate, 133;
Aarão, 137; Moisés, 120; e Josué, 110. Estas idades demonstram um decline
gradual para a média de 100 anos, similar ao que possivelmente aconteceu após o
começo de Kali-yuga de acordo com o sistema Védico.
Aqui,
devemos mencionar de passagem que a Inundação Bíblica é aceita tradicionalmente
como ocorrida no segundo ou terceiro milênio a.C., e a data tradicional na
Índia para o começo de Kali-yuga é 18 de fevereiro de 3102 a.C.. Esta mesma
data é citada como o tempo da Inundação em vários escritos persas, islâmicos e
europeus dos séculos seis ao quatorze d.C. [6]. Como a Inundação do
oriente médio veio a se associar com o começo de Kali-yuga? O único comentário
que podemos fazer é que esta história mostra quão pouco realmente sabemos sobre
o passado.
Em suporte à
história bíblica de enorme duração da vida humana em tempos passados, o
historiador romano Flávio Josefo citou muitos trabalhos históricos disponíveis
em seu tempo:
Agora,
quando Noé viveu 350 anos após a Inundação, e todo aquele tempo alegremente,
ele morreu tendo o número de 950 anos, mas que ninguém, comparando a vida dos
antigos com as nossas vidas, [...] usem a brevidade das nossas no presente como
um argumento de que nenhum deles obteve tão longa duração de vida…
Agora, tenho
por testemunhas daquilo que eu disse todos aqueles que escreveram Antiguidades,
tanto entre os Gregos quanto entre os bárbaros, pois mesmo Maneton, que
escreveu a história egípcia, e Beroso, que coletou os monumentos caldéios, e
Mochus, e Histeu, e, além desses; Hierônimo, o egípcio; e aqueles que
compuseram a história fenícia, concordam com o que eu aqui digo: Também Hesíodo
e Hecateu, Helanicus e Acusilau, além de Éforo e Nicolau, relatam que os povos
antigos viviam mil anos: mas, quanto a essa questão, deixemos que cada um a
olhe como considerar apropriado. [7]
Para nosso
descontentamento, praticamente nenhuma das obras referidas a Josefo ainda
existem, e isto novamente mostra o quão pouco sabemos do passado. Contudo, em
existentes sagas nórdicas, diz-se que as pessoas, em tempos passados, viviam
por muitos séculos. Além disso, as sagas nórdicas descrevem uma progressão de
eras, incluindo uma era de paz, uma era quando diferentes ordens sociais são
introduzidas, uma era de crescente violência, e uma degradada “era de punhais e
machados com escudos bifendidos”. [8] A última era é seguida por um
período de aniquilação, chamado Ragnarok, após o qual o mundo é restaurado à
bondade.
O Ragnarok
nórdico envolve a destruição da Terra e das moradas dos semideuses nórdicos (de
nome Asgard), e, deste modo, corresponde, na cronologia Védica, à aniquilação
dos três mundos que sucede 1.000 ciclos de yuga, ou um dia de Brahma. É dito
que, durante o Ragnarok, o mundo é destruído com chamas por um ser chamado
Surt, que vive abaixo do mundo inferior (apropriadamente chamado Hel), e que
esteve envolvido na criação do mundo. A guisa de comparação, o
Srimad-Bhagavatam (3.11.30) afirma que, ao fim do dia de Brahma, “a devastação
se dá devido ao fogo emanado da boca de Sankarsana”. Sankarsana é uma expansão
plenária de Krsna que está “no fundo, na base do universo” (Srimad-Bhagavatam
3.8.3), abaixo dos sistemas planetários inferiores.
Há muitas
similaridades entre as cosmologias nórdica e Védica, mas há também grandes
diferenças. Uma diferença marcante é que, no Srimad-Bhagavatam, todos os seres
e fenômenos dentro do universo são claramente compreendidos como parte do plano
divino de Krsna. Em contraste, na mitologia nórdica, Deus é conspicuamente
ausente, e a origem e o propósito da maioria dos personagens são bastante
obscuros. Surt, em particular, é um “gigante de fogo” cujas origens e razões
não são claras nem mesmo para os especialistas em literatura nórdica [9].
Alguém
talvez pergunte: Se temas Védicos aparecem em várias sociedades diferentes,
como alguém pode concluir que eles derivam de uma civilização Védica? Talvez
eles tenham sido criados em muitos lugares de modo independente, ou talvez eles
descendam de uma cultura desconhecida que é também ancestral ao que chamamos de
cultura Védica. Assim, paralelos entre as narrativas de Surt e Sankarsana podem
ser coincidências, ou talvez a narrativa Védica derive de uma história similar
àquela de Surt.
Nossa
resposta a esta questão é que evidências empíricas disponíveis não serão suficientes
para provar a hipótese de descendência de uma cultura Védica antiga visto que
toda evidência empírica é imperfeita e sujeita a várias interpretações; mas
podemos decidir se as evidências são consistentes ou não em validar esta
hipótese.
Se houve uma
civilização Védica mundial no passado, esperaríamos encontrar vestígios dela em
várias culturas ao redor do mundo. Parece que de fato estamos encontrando tais
vestígios, e muitos concordam com as narrativas Védicas em detalhes
específicos, como a localização da morada de Surt ou a perda de uma perna por
era universal por parte do búfalo sagrado. Uma vez que esta civilização começou
a perder sua influência milhares de anos atrás, no começo de Kali-yuga,
esperaríamos que muitos de tais vestígios se encontrassem fragmentados e
sobrepostos por muitas adições posteriores, e isso também vemos. Assim, as
evidências disponíveis parecem consistentes com a hipótese de uma origem
Védica.
Tradução de Bhagavan dasa
(DvS)
Adaptação de Alexandre Teles
Adaptação de Alexandre Teles
por Sadaputa Dasa
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