terça-feira, abril 24, 2012

As Tábuas de Nippur - Génesis


Durante vários dias continuei na floresta.



Gosto muito de natureza, mas, já estou sentindo falta de um banho quente e de comida cozida. Durante estes dias em que estou andando, escondido, no meio da mata, por várias vezes ouvi o helicóptero de meus perseguidores sobrevoando baixo. Nesta hora fiz um comparativo com a história que estou traduzindo. Também para mim, a proteção é a copa das árvores.



Liguei meu NetBook que ainda mantém um pouco de carga e escrevi mais um pouco, mas, como não tenho internet, não me vale muito. Se tivesse acesso a Internet, conseguiria um mapa de onde estou e, poderia saber, mais ou menos, quanto tempo ainda levaria para chegar à civilização.



Mais uma noite se aproxima, e novamente, preparo um lugar para pernoitar. Como andar pela mata fechada e úmida cansa muito, não estou tendo problemas para dormir. Hoje não foi diferente, tão logo me ajeitei, comecei a pegar no sono.



Já com os olhos semi-cerrados, vi algo vermelho se esquivando entre as árvores. Abri os olhos e sentei em meu improvisado abrigo de folhas e galhos, olhando, atentamente em todas as direções. Porém, não vi nada fora do comum.



- Deve ser minha imaginação! – Concluí.



Após convencer-me de que não era nada, deito novamente e, procurando uma posição mais confortável, me viro para o outro lado, ainda com os olhos abertos.



Levo um enorme susto.



A mais ou menos um metro de mim, dois grandes olhos vermelhos me observam de forma assustadora.



Rapidamente levanto e tento correr, mas, o ser de olhos vermelhos, pula em minhas costas e me derruba. De repente, o mundo todo fica em câmera lenta. Me sentia como se estivesse dentro de uma gelatina, todos os meus movimentos pareciam pesados. Nem gritar conseguia, estava difícil até para respirar. Um medo terrível tomou conta de mim, não sei por que, mas, neste momento, tinha a certeza de que iria morrer. Mesmo sem ter medo da morte, neste momento, ela parecia um pesadelo, parecia macabra.



Uma luz muito forte clareou tudo ao redor, não conseguia entender o que estava acontecendo. Sentia uma movimentação, mas, não sabia o que era. Meu corpo começou a subir, estava vencendo a gravidade sem esforço, passando pela copa das árvores, pensei que havia morrido, e que, minha alma estava indo para o céu. Mas, o céu estava estranho, emitia um forte ruído, ruído este, que ficava cada vez mais alto, mais próximo, as luzes também estavam mais próximas e fortes.



Quando dei por mim, estava algemado dentro de um helicóptero, juntamente com mais quatro homens, todos vestindo roupas pretas, mas apenas um, vestindo terno. Por um bom tempo, não falaram nada. Aproveitei este tempo para tentar voltar a si, e entender o que estava acontecendo. Quando cheguei a uma conclusão, pensei que seria melhor não tê-la encontrado:



Fui capturado!



Olhei para os lados procurando pela minha mochila, com a tábua de argila e os decalques. Encontrei-a sobre uma grande jaula, que estava coberta com um pano preto. Ao ver meu olhar para mochila, um dos soldados ergueu discretamente sua arma, lembrando-me que seria potencialmente fatal tentar qualquer coisa. Finalmente o silencio foi quebrado pelo que estava de terno, que acendeu um cigarro e falou:



- Tática errada, professor Prawdanski. – Falou em um português enrolado. Possuía um sotaque que não consegui reconhecer, mas, certamente não é brasileiro – A equipe que estava lhe perseguindo é formada por militares, e a mata, é a sua casa. Achou mesmo que poderia escapar para sempre? Sua aventura – deu uma longa e prazerosa tragada, e concluiu -, finalmente acabou!



Mar mediterrâneo, em algum lugar entre Citera e Creta.



É um lugar famoso para caçadores de relíquias e tesouros antigos. Foi lá que, em 1901, perto da ilha de Antikythera, um barco de pescadores de esponjas procurou refúgio, protegendo-se de uma tempestade. Na manhã seguinte, os pescadores mergulharam nas já tranqüilas águas do mar, e descobriram algo que, surpreendeu até os mais céticos.



Descobriram, nos destroços de um barco que, a julgar pela quantidade de algas e areia que o cobria, estava naufragado há muitos anos, um misterioso mecanismo de relojoaria composto por 30 engrenagens de bronze, de formatos diferentes. Após muita análise, e até mesmo a criação de uma réplica, chegou-se a conclusão, que o dispositivo, era um primitivo, computador astronômico, capaz de predizer as posições do Sol, da Lua e o Zodíaco, e possuía séculos de idade.



Este evento impulsionou ainda mais os interessados em conseguir fama e fortuna com alguma descoberta deste nível.



Em busca da “sorte grande”, encontra-se próximo a este local, um barco particular, com a tripulação formada pelo capitão e dono do barco, um auxiliar, um mergulhador profissional, um arqueólogo marinho sem destaque em sua área e o investidor da empreitada, que também é mergulhador amador. Já pesquisam a região há muito tempo sem, no entanto, ter sucesso em suas buscas. Mas, pelo que parece, sua sorte, finalmente estava mudando.



Através do ecolocalizador de bordo, encontraram, meio que, por acaso, um bloco de, mais ou menos um metro e meio de lado, em forma de cubo, e parece ser de pedra. Nada muito empolgante, mas, mesmos assim, os mergulhadores decidiram descer, para ver em loco o objeto e, quiçá, encontrar algo de valor a sua volta.



Já no fundo do mar, aproximam-se do objeto que, à primeira vista, não apresentava nada de especial, parece mesmo ser um bloco de pedra, provavelmente, de alguma antiga construção. Como combinado, começam uma varredura ao entorno do objeto, na esperança de encontrar algo de valor. Porém, o mergulhador amador, graças a sua pouca experiência, acaba batendo com seu cilindro de oxigênio no cubo e removendo um pedaço da crosta de restos marinhos.



Graças a este pequeno acidente, um pedaço do cubo se revelou e mostrou uma estranha estrutura lisa e brilhante. Aproximando-se da falha, constataram que o pedaço do cubo que ficou a mostra, estranhamente, parecia de ser feito de vidro.



Usando uma alavanca, rasparam o cubo em vários pontos. Mesmo o mergulhador experiente, sentiu-se afoito e com uma leve falta de ar, eles vibraram por dentro das mascaras de mergulho. Todos os pontos raspados revelaram ser do mesmo material. Parecia que o cubo, era totalmente feito de vidro e, pela quantidade de material marinho incrustados, devia estar submerso há muitos séculos. Parece que finalmente, encontraram algo de valor.



Já no barco, começam imediatamente o trabalho para içar o objeto, mas, precisam ser rápidos, uma tempestade se forma no horizonte. Já chovia quando uma parte do cubo começou a sair da água. Grandes ondas começam começas a castigar o barco, que oscila perigosamente.



- Não vamos conseguir! – Gritou o capitão – Vamos soltar o cubo, e voltamos quando o tempo melhorar. O barco pode virar!



- Não podemos parar agora, está tão perto. – Respondeu o investidor. – Prossigam, icem este objeto, rápido!



A tempestade aumenta. Ondas castigam o casco e já passam por cima da popa. O cubo agora está totalmente fora da água e, é bem pesado, o que faz o barco pender ameacadoramente para o lado. Com toda pressa e cuidado possíveis, foram virando o guindaste, buscando posicionar o cubo sobre o barco.



Uma onda pegou o arqueólogo desprevenido, e quase o jogou no mar. Foi salvo pelo ajudante do capitão que, com sua experiência no mar, o segurou no momento exato.



Finalmente, o fundo do cubo encosta no convés, e é rapidamente amarrado pela tripulação, para eliminar as chances de retornar, inconvenientemente, ao mar. A curiosidade e ansiedade faz com que, mesmo abaixo de tempestade, a tripulação inicie o trabalho de limpeza do cubo, precisavam saber se o esforço valera ou não à pena.



Com a ajuda de espátulas, removem, cuidadosamente, toda crosta de sujeira marinha, revelando, um enorme cubo de vidro. É um bloco único, sem fechaduras aparentes. Sua cristalinidade é excepcional, apesar de todo este tempo sob a água, após removerem a crosta, foi possível ver claramente o seu conteúdo. Surpreendentemente, o cubo parecia estar cheio de... placas de pedra.



O arqueólogo colou o nariz na parte de cima do cubo, para ver maiores detalhes de seu conteúdo. Sua expressão tornou-se pálida, como se tivesse visto um fantasma dentro do cubo, com ar misterioso, virou-se para seus colegas e falou:



- Não são pedras dentro deste cubo... – fez uma pausa – são tábuas de barro e, possuem inscrições. Parece escrita cuneiforme.



A tripulação explodiu em gritos. Finalmente algo de valor. A escrita cuneiforme foi desenvolvida pelos Sumérios, é uma das, se não a primeira forma de escrita, certamente o cubo é muito antigo. Se realmente, o achado for legitimo, estão todos muito ricos.




Todos se recolhem para se proteger da tempestade, que castiga a embarcação, cobriram o cubo com uma lona. Todos foram beber e comemorar o achado, todos, menos o investidor. Ele foi direto para a cabine do capitão, fazer contato com possíveis compradores. Precisava levantar dinheiro urgentemente, havia gasto quase tudo que possuía nestas expedições. Passou a vários possíveis compradores os detalhes de seu descobrimento, muitos se mostraram interessados. Sorriu, com a perspectiva de realizar um leilão com o cubo, já imaginando a briga dos interessados em adquirir seu achado, cada um oferecendo mais dinheiro.



A tempestade diminui de intensidade, mas, por segurança, o capitão decide ficar ancorado. Estavam próximos a uma ilha, e esta os protegeria dos ventos e das ondas fortes, o barco não é grande e, em alto mar estaria vulnerável. Todos foram dormir, alguns, graças ao elevado nível alcoólico, desmaiaram no próprio refeitório. O auxiliar do capitão foi o único que ficou acordado, na cabine, de prontidão para alguma eventualidade.



Já era madrugada, e o auxiliar estava brigando com o sono. Resolveu sair um pouco da cabine e fumar um cigarro, o capitão não permite fumar dentro de sua cabine. A noite está escura, esporadicamente clareada pelos relâmpagos do resto de tempestade que ainda teima em prosseguir.



O auxiliar do Capitão estava pronto para acender o seu cigarro, quando o céu foi cortado por um relâmpago, imediatamente ele parou. Talvez o sono esteja lhe pregando peças, mas, podia jurar que vira um grande vulto negro muito próximo ao barco. Pensando ser, somente impressão, ignorou e voltou a tentar acender o cigarro.



Outro relâmpago corta o céu e, o vulto novamente se torna visível. Neste momento, o desespero toma conta do auxiliar do Capitão, que, tem certeza do que se trata.

Reconheceu claramente o que era o enorme vulto que vira. Era a proa de um grande navio e, vinha em sua direção.



Imediatamente, acendeu todas as luzes do barco, e soou o quanto pode a sirene, gritando desesperadamente, de forma que a tripulação do navio os visse, e alterassem a sua rota. O barulho foi tanto, que todos os seus companheiros do barco acordam e sobem para o convés. Vendo o motivo da algazarra, começam a gritar também. Estão tão preocupados com o iminente choque que, nem repararam em dois pequenos barcos, que aportaram ao seu, nem nas pessoas que, sorrateiramente, sobem a bordo.



- Todo mundo no chão! – Grita um dos invasores à tripulação, que olha assustada e sem entender nada e vê um grupo, vestido como ninjas, com grandes armas em punho – Rápido todos no chão, não olhem!



Não tem escolha. Com a surpresa do ataque, ficam sem reação, e obedecem ao comando.



- Quem são vocês? – Pergunta o capitão. – O que vocês querem? – Mas, não obtém respostas. Os invasores estão imóveis, em pé, apontando uma arma para cabeça de cada tripulante, nem mesmo o balanço do barco os parece incomodar.



Ficam nesta posição por alguns segundos, até que, ouvem passos no convés. Parece alguém calçando sapatos, e possui passos lentos e decididos. Imediatamente, ordena aos “ninjas”.



- Levem-nos para cabine, e os amarrem! – A voz soou rouca, e parecia de uma pessoa já com uns 60 anos. Falava inglês, mas, com um leve sotaque que não conseguem identificar.



De forma truculenta, todos são carregados para dentro da cabine, onde são amarrados, fortemente, em cadeiras, que são ajustadas de forma a ficarem voltadas todas para o mesmo lado, como em um auditório.



Um relâmpago clareou a porta e viram o perfil de um homem magro e alto, que usa uma capa de chuva. O homem anda tranquilamente, até a frente das cadeiras. Agora todos conseguem vê-lo, é realmente um senhor de uns 60 e poucos anos, magro, com cabelos grisalhos e ralos. Veste um elegante terno preto e camisa branca, com uma capa de chuva por cima.



O homem puxa uma cadeira, senta-se, cruza as pernas e acende um cigarro, ignorando a expressão de desaprovação do capitão.



- Quem é você? – Perguntou o investidor. – O quer de nós?



O homem grisalho deu uma longa tragada em seu cigarro, soltando, lenta e prazerosamente a fumaça. Fica alguns segundos em silencio, como se, saboreando seu vicio, então fala:



- Acalmem-se, vocês ficarão sabendo de tudo!







***







Ano de 1974, numa sala de reuniões em Washington – USA.



Um grupo de senhores com olhar austero se reúne a portas fechadas. Todos, a exceção de um, trajam ternos. Podemos dizer que, os membros deste grupo estão acima dos demais seres humanos. São eles que decidem o que é verdade e o que é mentira, quem será eleito, ou destituído, quem deve viver, e quem... deve morrer. Seu poder é tamanho, que poderíamos considerá-los semideuses.



A origem deste grupo se perde no tempo. Desde a antiguidade, são os que tomam as decisões e graças a sua maleabilidade e adaptabilidade, conseguem manter o poder a muitos séculos. Já foram guerreiros, sacerdotes, comerciantes, navegadores... hoje, graças a, segundo eles, perigosa disseminação do conhecimento, possuem representantes em todas estas áreas, e em outras mais modernas. Sempre que um membro morre, o grupo elege um sucessor a altura, geralmente filho do que morreu. Mas há exceções, visto que alguns não podem ter filhos, então alguém é nomeado.



Em todos estes séculos à frente da humanidade, nunca estiveram diante de uma ameaça tão grande. Precisam, urgentemente, decidir o que fazer antes, que seja tarde demais. A discussão está acalorada



- Sempre falei dos riscos das viagens espaciais. – Falou o que não usava terno, jogando seu solidéu vermelho sobre a mesa. – Deveria continuar como a morada intransponível de Deus!



- Os tempos mudaram - Respondeu o mais jovem do grupo -, ninguém mais acredita nesta lenda.



- Esta “lenda”, nos manteve no poder por séculos!



- Sim, e quem não acreditasse, ardia na fogueira. – Respondeu arrogantemente o mais novo.



- Era uma época boa, todos tinham medo de ter idéias, tínhamos respeito. – Concluiu o que não usava terno.



- Essa discussão não levará a nada. – Gritou o líder do grupo – Nós decidimos que deveríamos sair para o espaço. Era uma necessidade, tínhamos que mostrar a eles que também éramos capazes. Foi para nossa própria segurança!



- Exato! – Concordou outro. – E além do mais, ninguém poderia imaginar o que encontraríamos.



- Eles me preocupam muito. – Falou um dos mais velhos – Não sabemos quase nada a seu respeito.



- Por isso estamos nos armando, é nossa única chance. – Falou desanimadamente outro senhor – Temos que nos preparar para uma guerra iminente, e desta vez, será uma guerra que não provocamos.

- Só não entendo porque trazer o objeto encontrado. – Falou o que não estava de terno.



- Curiosidade cientifica. – Respondeu o mais novo – Precisávamos saber o que era o seu conteúdo!



- Bem – continuou o líder -, está decidido que, para lua ninguém mais vai, isso é ponto. Mas, o que fazer com o cubo de vidro?



- Se as informações traduzidas forem divulgadas, nunca mais a raça humana será a mesma. E nosso domínio, estará acabado.



- Inadmissível! – Falou outro exaltado. – Nós somos os cães pastores e o restante da humanidade, são as ovelhas. Eles têm a obrigação em fazer o que queremos, sem questionar. Sempre foi assim, e, assim continuará sendo para sempre.



- Vamos destruir o cubo, todo o seu conteúdo, e todas as traduções.



- Sim, devemos fazer isso, imediatamente!



- E os tradutores?



- Devem ser eliminados, um a um. – Neste instante todos olharam para o homem que estava fumando, calado, em uma das cadeiras. Ele era o que chamavam de homem de ação, o que punha em prática o que era decidido, principalmente, o trabalho sujo.



- Podem ficar tranquilos – falou calmamente, dando uma tragada em seu cigarro -, eu cuido disso.



- As mortes dos tradutores, devem parecer acidente.



- Ou, até uma maldição, como já fizemos com outros arqueólogos. Sempre dá certo.



- Não se preocupem – falou tranquilamente o fumante –, o serviço será limpo, como sempre.



- Mas temos ainda outro problema. – Falou o mais jovem – Não podemos nos esquecer do aviso junto ao cubo:







“A terceira irmã tem metade do que a primeira.



A segunda, somente em lembranças ”







- Certamente existe outro cubo na terra, afinal, a lua e a terra tem a mesma origem, são irmãs!



- Mas, e a segunda?



- A segunda está fora de nosso alcance... por enquanto.



- Precisamos ficar de sobreaviso. Vamos deixar nossa central de inteligência atenta e, a qualquer sinal do outro cubo, interceptaremos imediatamente!



- E qual era o conteúdo que estava no outro cubo? – Perguntou o arqueólogo, que estava amarrado no barco dos caçadores de relíquias.



- Assim como no que vocês encontraram, o cubo estava cheio de tábuas de argila cosida, todas escritas com caracteres cuneiformes.



- E vocês as destruíram? – Gritou nervosamente o arqueólogo.



- As tábuas foram traduzidas e, chegamos à conclusão que a revelação de seu conteúdo seria inadequado.



- Quem são vocês para decidir isso, todos devem saber – falou o investidor -, e saberão, através de nossa descoberta.



- Infelizmente não. – Falou o fumante, acendendo outro cigarro – Nunca contei esta história a ninguém. Senti que precisava contá-la e, realmente me fez sentir melhor. – Tragou novamente - Sabem por que eu contei a vocês esta história?



Todos se olharam e mexeram a cabeça negativamente.



- Simples. – Falou o homem - Porque os mortos são muito bons para guardar segredo!



Em meio aos protestos e pedidos de socorro dos prisioneiros, o fumante chamou o chefe dos soldados vestidos de preto do lado de fora e falou.



- Transformem este barco, em um barco fantasma!



O soldado respondeu afirmativamente, sem apresentar nenhuma expressão, afinal, era um profissional treinado.



Barcos fantasma é um fenômeno misterioso e comum na literatura naval. Tratasse de barcos ou navios, que são encontrados a deriva, depois de dias, meses ou até anos de seu desaparecimento. O curioso é que, normalmente, não se encontra nenhum vestígio da tripulação, que parece tê-lo abandonado, nem mesmo sinais de saques ou algum tipo de violência é encontrado. Muitas vezes o diário de bordo está atualizado até a data do desaparecimento, sem nenhum relato fora do normal ou diferente do rotineiro.



O fumante entrou em um dos barcos ancorado e voltou ao navio, juntamente com o cubo de vidro. Alguns soldados levantaram ancora do barco dos caçadores de tesouros e, os levaram para alto mar, com a intenção de, sumirem com os corpos, e criar, outro barco fantasma.







***







Quando vi o cubo de vidro, cheio de tábuas de argila cozida, sabia que precisava salvar as informações. Não sei se o seu conteúdo é o mesmo que estava no cubo que foi destruído, provavelmente, nunca saberemos já que, todos os envolvidos na primeira tradução, estão mortos. O que sei é que, é muito importante, e deve ser revelado ao mundo, pois, mudará a forma como vemos a nós mesmos.



Arrisquei minha vida tirando o decalque de todas as tábuas, e lhe enviando. Infelizmente, não posso revelar quem sou eu. Só posso adiantar que nos conhecemos, e sei que é uma pessoa integra, e que, estando no Brasil poderá trabalhar na tradução com menos riscos.



Para provar que não é uma farsa, estou enviando, junto com os decalques, uma das tábuas originais. Guarde-a muito bem, pois, neste momento, certamente é a única que sobrou. É nossa única prova, e foi escrita a mais de 150 mil anos, sabe-se lá, por quem.







***







Após ler esta carta, fiquei sem ação, apenas olhando para seu conteúdo, um grande maço de folhas de decalque com escritas cuneiformes e, uma tábua de argila cozida, com a mesma escrita. Confesso que, a principio, pensei se tratar de um trote, quem sabe algum amigo, afinal, a tábua de argila está em ótimas condições, como se acabasse de sair do forno, e a carta, afirmava que possuía mais de 150 mil anos, o que seria impossível, afinal, a escrita mais antiga que conhecemos, que é realmente cuneiforme, foi encontrada na mesopotâmia, e tem somente 6000 anos.



Deixei as folhas de decalque e a tábua jogadas em um canto do apartamento, realmente não dei atenção.



Chegou o final de semana e, como de praxe em Curitiba, estava chovendo, ótimo para jogar vídeo game. Após fechar um jogo, e depois de algumas cervejas, já estava entediado. Olhei para o canto, e vi a caixa com os decalques. Na falta de ter o que fazer, peguei a tábua de argila e, resolvi tentar traduzi-la, ciente de que, ou não faria sentido, ou seria alguma mensagem de algum amigo, tirando sarro pela minha curiosidade.



Para minha surpresa, não era nem uma coisa, nem outra.



O tédio de mais um final de semana chuvoso e, a falta de ter o que fazer, me levaram a traduzir o conteúdo da tábua de argila, mesmo tendo convicção de que era um embuste. Levei algum tempo até encontrar um padrão. Apesar de, muito parecida com a escrita Suméria, ainda assim, a escrita da tábua, apresentava particularidades que eu nunca havia visto. Fui criando, a parte, um dicionário para me guiar, isso me consumiu toda a noite de sábado, quando vi, já havia amanhecido, mas, estava sem sono, minha curiosidade era maior. Se for uma brincadeira, é muito bem elaborada, pensei, tendo em vista a dificuldade na tradução.



Quando terminei o dicionário, estava faminto, fiz um lanche e, com o dicionário em mãos, comecei a reescrever, agora em português o conteúdo da tábua.







***







Ela corre pela floresta abaixo de chuva, que está muito forte. Quase não se vê nada, a não ser pelos relâmpagos, que clareiam tudo com sua fantasmagórica luz azul.



A escolha desta noite foi proposital, afinal, a tempestade tornaria mais difícil a sua localização, e também, ela sabe que eles não gostam de sair na chuva. Só torce para que o bote inflável que leva consigo resista à travessia.



Em sua mochila leva um pouco de comida, água potável, suas poucas roupas e algumas roupinhas de bebê que conseguiu com uma amiga. Como geóloga, estudou bem o relevo do outro lado do mar. Havia muitas cavernas que usaria como abrigo e esconderijo. Realizaria a travessia através do perigoso canal, que é a parte mais estreita do mar próximo à cidade, as correntes marinhas levariam seu bote inflável até a outra margem, já havia calculado. Isso se os ventos da tempestade não a carregarem para outro lugar - Desde que seja para longe deles, tudo bem! - Pensava consigo mesma.



Ninsun havia sido bem educada, e preparada para trabalhar como geóloga, iria acompanhar seu senhor na prospecção de novas áreas para mineração, mas sua curiosidade ia além de sua especialização. Sempre foi uma leitora assídua e, sempre que tinha oportunidade estava lendo. Em sua pequena bagagem, incluiu ainda alguns livros, que saberia, seriam úteis.



Muitos já tentaram fugir, mas ninguém ainda conseguiu. Todos haviam morrido. Ninsun estudou cada um dos casos e, sabe perfeitamente o que deu errado em todos eles. Em todas as tentativas, sem exceção, os fugitivos seguiram para a floresta, ninguém tentou fugir pelo mar, e tinham um bom motivo para isso.



O mar é um local traiçoeiro, repleto de seres gigantescos, ávidos por alimento, seria loucura tentar atravessá-lo, mas era sua única chance. Precisava salvar seu filho.



Ninsun estava grávida de seu senhor. Apesar de ter engravidado através de um ato de violência, não podia permitir que matassem seu filho, e estava disposta a arriscar tudo para salvá-lo. Estava chegando próximo ao mar, como eles consideravam impossível a fuga através dele, não havia postos avançados de vigilância, apenas canineus treinados guardavam o caminho. Ela preparou um pouco de alimento com o forte sonífero, que o seu senhor usava em sua esposa sempre que queria manter relações com Ninsun.



Com a ajuda de um par de óculos de visão noturna, que “pegou emprestado” de um sentinela, identificou alguns canineus próximos ao mar. Os canineus, são animais parecidos com os lobos, porém artificiais e muito mais inteligentes, normalmente usados como guardas. Seus senhores costumavam cuidar de seus canineus da mesma forma com que cuidavam de seus escravos, assim, Ninsun tinha a certeza de que estariam com muita fome.



Estava certa. Tão logo arremessou os pedaços de comida com sonífero, os canineus gulosamente devoraram tudo, sem ao menos se darem conta de sua presença. Em poucos segundos tombaram sedados.



Agora o mar estava a sua frente, era o próximo e mais ameaçador desafio.







***







Quando acordei, estava com o rosto deitado em cima da tábua, lá fora, o dia estava claro.



Cambaleante, fui ao banheiro lavar o rosto. Ao olhar no espelho, vi, claramente, as marcas de escrita cuneiforme em minha bochecha direita.



– Encontrei um novo método de decalque. – Pensei.



De volta ao quarto, procurei meu celular para ver as horas, 7:32. Graças a ter passado a noite em claro, estava perdido e, não tinha certeza de que dia era. Quando consultei, a data, também no celular, é que descobri que já era segunda-feira.



- Cacete, estou atrasado!



Nunca gostei das segundas. Se pudesse, minha semana começava na terça. Segundas sempre me deprimem me deixam de mal humor. Infelizmente, fechou uma turma de línguas antigas, justamente na segunda-feira, de manhã, primeira aula. Deve ser carma.



Mesmo durante a aula, não consegui tirar da cabeça a tábua de argila, nem a estranha tradução. Ninguém faria uma brincadeira tão elaborada, e se for alguém tentando ganhar fama... nem ao menos citou seu nome verdadeiro. Não faz sentido.



No intervalo das aulas, comentei sobre este assunto com uma colega professora que, chamarei de Mari, também um nome fictício.



- É muito simples saber se é verdadeira – falou Mari -, use termoluminescência.



Termoluminescência é um método utilizado para se determinar a idade de objetos com mais de 50 mil anos ou cuja idade não tenha relação com compostos orgânicos, como a cerâmica. O método consiste em medir os pequeninos defeitos que aparecem no material de que é feito o objeto, decorrentes da radiação a que ele está submetido: pode ser radiação cósmica, radiação do ambiente ao redor do objeto ou do próprio material de que ele é feito. Quando a radiação reage com o objeto, são liberados elétrons das suas moléculas. Alguns desses elétrons são aprisionados em defeitos no material do objeto. Algumas moléculas, portanto, não recebem seus elétrons de volta e ficam ionizadas.


À medida que o tempo passa, mais e mais elétrons vão ficando aprisionados. Quando o objeto é aquecido, a energia térmica fornecida aos
elétrons é suficiente para eles se libertarem e se recombinarem com as moléculas ionizadas, restituindo a situação original. Nesse processo de recombinação, é emitida energia luminosa, que constitui a termoluminescência.



- Este é o método mais seguro – prosseguiu ela -, você sabe que carbono 14 não funciona bem com cerâmicas.



- É, eu sei. – Respondi – A não ser que a cerâmica seja pintada com tinta de origem orgânica.



- E mesmo assim só funciona para objetos com até 40 mil anos e, segundo a carta, sua tábua tem mais de 150 mil anos!



- Isso é o que diz a carta, o que duvido muito. – Falei – Mas, no Brasil, equipamento para datação através de termoluminescência, pelo que sei, só a USP possui.



- Sim – Concordou a professora -, e eu conheço alguém importante na USP. Nós ficamos uma vez e, sempre que vou até lá, ele me convida para sairmos novamente. Se quiser eu consigo o teste para você.



- Seria ótimo. Assim constato de uma vez por todas que a tábua é falsa.



- Tenho uma palestra na USP neste sábado. – comentou Mari. – Vamos juntos, aí você já faz o teste, e aproveita para me fazer companhia. – Abaixou-se sobre a mesa e cochichou – Assim evito ter que sair de novo com aquele chato.



- Seria ótimo. Obrigado, você é muito legal. – Falei pegando em sua mão ao que, ela sorriu timidamente, e respondeu.



- Eu vou ligar agendando o teste.



Fazer o teste parecia, a principio, a melhor opção, pois indicaria se de fato a objeto era verdadeiro, ou uma falsificação. No entanto, serviu para mais que isso, serviu também de lição.



Aprendi a tomar mais cuidado com as pessoas ao meu redor.

- Muito bem professor – falou o amigo de Mari, operando o equipamento de termoluminescência, já que o profissional responsável estava em seu dia de folga -, agora introduzimos o artefato no equipamento para aquecer a amostra até que a termoluminescência seja liberada. A intensidade da termoluminescência nos indicará o tempo transcorrido desde a última vez em que a amostra sofreu aquecimento. No caso de uma cerâmica, ou de sua tábua de argila, ela foi aquecida durante sua fabricação. Assim, a intensidade da termoluminescência irá fornecer o tempo transcorrido desde que ela foi aquecida pela última vez. Com este método, podemos datar objetos de até 1 milhão de anos, com precisão de até 10%! – Ele falava de seu equipamento como alguém que foi pai depois dos 40 anos fala das gracinhas de seu filho. – Agora, no monitor temos um gráfico com o resultado. – Apontou para o pico do gráfico – Não é possível!



- O que foi? – Perguntei.



- Deve ter acontecido algo errado, vou tentar novamente.



O operador ajeitou novamente o material e realizou outro teste.



- Professor, o senhor não teria uma amostra do solo ao redor de onde o artefato foi encontrado? – Perguntou o amigo de Mari - Poderíamos utilizar como comparação de parâmetros, pois os resultados não estão claros.



- Quais foram os resultados? – Perguntei.



- Bem, realizei o procedimento duas vezes e, ambos os testes, estimaram, sua tábua de argila com 176 mil anos, um absurdo. Logicamente que temos uma margem de erro de 10%, mas ainda assim, não faz sentido.



- Não faz mesmo. – Respondi, impressionado.



- Onde conseguiu este material, professor?



- É uma longa história. Mas, em todo caso, obrigado pelo esforço. – Falei pegando a tábua novamente.



- Se o senhor quiser deixar esta tábua para realizarmos testes mais aprofundados...



- Não! Não, obrigado, já foi suficiente. – Falei já saindo da sala com a tábua de argila em meus braços, sentia uma estranha obrigação em proteger aquele material.



De volta ao meu apartamento em Curitiba, recebi do porteiro, a triste noticia.



- Professor Prawdanski, seu apartamento foi arrombado por ladrões.



O porteiro me explicou que, três homens armados e com capuz, o renderam, e o obrigaram a mostrar qual era o meu apartamento. Chegando lá o arrombaram e reviraram como se procurassem por algo.



- Isso aconteceu a mais ou menos há uma hora. – Continuou o porteiro - Já chamei a policia, mas, como de praxe, ainda não chegaram.



Subi ao apartamento para ver os estragos. Estava tudo destruído, revirado. Coloquei minhas bagagens sobre o sofá e sai pelo apartamento, tentando avaliar os estragos.



Estava no quarto, quando ouvi a porta do apartamento abrindo. Ao verificar, vi o porteiro com as mãos sobre a cabeça, acompanhado por três homens armados e, usando capuz.



- Mãos na cabeça professor! – Gritou o que parecia o líder.



- Vocês já não levaram tudo que queriam! – Respondi já com as mãos na cabeça.



- Não encontramos o que viemos procurar. – Falou o encapuzado – Queremos a tábua de argila, e os decalques, agora!



- Não estão comigo... – não consegui terminar a frase, levei uma bofetada.



- Não me faça perder a paciência! – Falou o encapuzado, engatilhando sua arma em minha cabeça.



- Na minha valise, a tábua e os decalques estão em minha valise. – Falei apontando para o sofá.



Senti um aperto no peito por entregá-las, mas sabia que minha vida e a vida do porteiro estavam em jogo. De repente ouvimos conversa do lado de fora do apartamento. Um dos encapuzados espiou no corredor, e falou.



- É a policia!



Finalmente, depois de uma hora e meia, a policia veio atender ao chamado do assalto, porém, sem querer chegaram no momento certo. Os encapuzados, assustados com a presença da policia, pegaram a valise que estava sobre o sofá e, realizaram uma manobra que eu só havia visto no cinema.



Prenderam ganchos nas soleiras das janelas e desceram de rapel pela lateral do prédio.



Quando os policiais entraram no apartamento, avisamos



– Os bandidos estão descendo pela parede do prédio!



Os policiais ficaram estáticos. Vendo nossa insistência, finalmente olharam pela janela, e constataram que, falamos a verdade. Um deles puxou de seu rádio e falou:



- Atenção central, precisamos de reforços no prédio...



Mas era tarde, quando o reforço chegou, os bandidos já deviam estar mais ou menos no Paraguai.



Temendo que, por alguma razão os bandidos, voltassem ao meu apartamento, pedi um taxi para me levar até um hotel. Estava cansado e abalado por perder o material arqueológico.



Dentro do taxi, somente conseguia pensar na tábua de argila.



O exame de termoluminescência estimou sua idade em 176 mil anos, aproximadamente. Apesar de não acreditar nesta datação, estava louco de curiosidade para traduzir o restante do material. Várias perguntas vinham a minha cabeça:



- Será que a datação está correta? Quem teria me enviado o material? Será que o que está escrito na carta é verdade? E a mais intrigante neste momento, como os encapuzados sabiam que eu estava com o material?



Como os ladrões souberam da tábua de argila e dos decalques?



Somente havia contado a duas pessoas sobre eles, minha amiga Mari e o seu amigo da USP. O amigo de Mari, no entanto, sabe apenas da tábua de argila que ele examinou, sobrou apenas uma pessoa que sabe da tábua e dos decalques.



Neste momento meu celular tocou, levei um susto. Ao ver o identificador, era minha amiga Mari.



- Lembra-se das maletas que, sem saber, compramos iguais? – Falou a professora se referindo as valises de mão que, descobrimos nesta viagem, compramos na mesma loja e do mesmo modelo. – Acho que nos confundimos no desembarque, você ficou com a minha e eu fiquei com a sua, cheia de decalques.



Meu coração deu um sobressalto. Certamente ela havia contado sobre os decalques e agora, querem a mim para terminar a tradução. Com certeza, é uma armadilha.



- Podemos deixar para amanhã – respondi -, estou cansado. Acabaram de assaltar meu apartamento.



- Nossa Prawdanski, você está bem?



- Sim estou, vamos deixar para amanhã, ai faremos a troca.



- Sabe o que é – falou Mari -, naquela valise que ficou com você, eu levo meus objetos de higiene pessoal e, minhas roupas intimas. – E baixando o tom de voz, falou – Não tenho nenhuma calcinha limpa para trocar, estão todas ai, na valise!



Um pensamento preocupante se manifestou. E, se ela está sendo forçada a me chamar para o encontro. Ela pode estar como refém dos bandidos, que encontraram uma valise cheia de calcinhas em vez dos decalques. Ela pode estar em perigo. Preciso ajudá-la.



- Então vamos nos encontrar em algum lugar, que tal no shopping? – Sugeri a ela.



- Não. – Respondeu - Venha na minha casa!



- Eu estou com fome, assim eu como alguma coisa.



- Eu preparo algo para nós aqui.



- Eu insisto, só vou se for ao shopping!



Finalmente, após muita insistência, ela aceitou. Combinamos de nos encontrar na praça de alimentação, próximo ao restaurante mexicano. Depois de algum tempo ela chegou, estava com minha valise nas mãos. Ao ver-me, acenou e abriu um largo sorriso.



- Está com medo de ficar a sós comigo Prawdanski? – Ela falou sentando-se à mesa.



- Não, claro que não, só... – respondi, meio sem jeito.



- Não sabe o que está perdendo. – Falou ela baixinho.



- Está tudo bem com você? – perguntei.



- Sim, tudo bem – ela respondeu com seu característico sorriso, não parecia estar sendo pressionada a nada -, e ficarei melhor ainda quando me devolver minhas calcinhas! – Falou em tom de brincadeira.



Abri a valise, e constatei que estava tudo ali, os decalques e a tábua de argila. Definitivamente não era uma armadilha, nem fora ela quem contou, afinal, já estava de posse dos artefatos.



Contei a ela sobre o assalto, e sobre sua valise ter sido levada. Envergonhado contei que, a principio desconfiei dela, pois era a única que sabia, depois achei que ela estava em perigo, por isso marquei o encontro no shopping, onde tem bastante gente e, estaríamos mais seguros.



- Me deixa feliz que tenha sido por isso que não quis ir ao meu apartamento – falou minha amiga -, mas fico triste por ter desconfiado de mim.



- Desculpe, mas, era a única pessoa com quem falei... – tentei me justificar – o seu amigo da USP, só sabia da tábua...



Neste momento, Mari, levou a mão ao rosto. Sua expressão era de alguém de dieta que foi pego assaltando a geladeira de madrugada.



- Eu contei pra ele! – Falou a professora.



- O que? – Perguntei incrédulo.



- Eu contei pra ele tudo, inclusive dos decalques. – Lamentou-se minha amiga – Também achei que tudo não passava de uma brincadeira, e não vi mal em contar... me desculpe. – Agora levou a outra mão ao rosto, parece que irá chorar a qualquer momento.



- Acalme-se! – Falei, pegando em suas mãos e tirando de seu rosto. Olhei para seus lindos olhos castanhos, agora marejados em lágrimas e, completei. - Ninguém poderia imaginar. Também achei que era só uma brincadeira, o que importa é que estamos bem.



- Preciso ir ao banheiro. – Falou passando os nós dos dedos nos olhos, para reter as lágrimas. – Vou retocar a maquiagem! – Ela abriu um lindo sorriso, e saiu.



A imagem deste sorriso ficaria comigo para sempre, pois, fora a última vez que a vi. Fiquei, distraidamente, sentado, aguardando o retorno de minha amiga, quando ouvi alguém me chamar.



– Professor Prawdanski! – Imediatamente olhei, pensando ser algum aluno meu. Mas, para minha surpresa, eram os ladrões que invadiram a minha casa. Não estavam com a roupa preta ou o capuz, mas, eu tinha certeza... eram eles.



- Venha conosco, professor. – Falou um deles, mostrando, discretamente, o cabo de uma arma.



Não tive escolha, peguei a valise e levantei. Eles me colocaram a sua frente e falaram para seguir para o estacionamento. Quase não consegui cumprir as ordens, pois, minhas pernas não queriam me obedecer, frente ao medo tamanho que estava sentindo.



A praça de alimentação ficara para traz. Agora, estávamos descendo pela escada rolante, algumas vezes, olhava com o canto do olho, torcendo, inutilmente, para que os raptores não estivessem mais atrás de mim. Mas, eles estavam.



Tinha a certeza que me matariam, por isso, precisava fazer alguma coisa, só não sabia o que.



De repente, surgiu minha oportunidade.



Um grupo de três policiais estava caminhando, tranquilamente, em nossa direção. Pareceu que os bandidos também notaram a presença dos policiais, pois, me deixaram adiantar alguns passos à sua frente. Quando os policiais passavam ao nosso lado, num impulso que só o medo nos permite fazer, joguei-me contra os policiais e gritei:



- Socorro. Estou sendo seqüestrado!



Imediatamente um dos policiais saca sua arma.



– São eles! – Gritei, apontando para meus raptores, já escondido atrás dos policiais.



- Mãos na cabeça! – Gritou um dos policiais.



Neste momento os outros dois policiais já estavam com armas em punho. Um dos bandidos ainda levou a mão em direção à sua arma, mas, o que parecia ser o líder do grupo, fez sinal para não sacar. Todos levaram as mãos à cabeça. Esta foi a última cena que vi. Não esperei o desfecho.


Agora, já sabia que estava lidando com pessoas perigosas, por isso saí correndo para fora do shopping. Corri muito, e para minha sorte, passava um ônibus bem na hora que sai do shopping, não arrisquei pegar taxi, entrei no ônibus, sem ao menos saber para onde iria. Parece um presságio, porque, desde então, nunca sei para onde vou, simplesmente vou, sempre fugindo, sempre me escondendo. Felizmente, consegui ficar com a valise e, todo o seu conteúdo:



Os decalques e a tábua de argila cozida. O segredo continuou em minhas mãos.



O Anunnaki vira-se para sua esposa e a chama, como esperado, ela não responde. Ele olha para mesinha ao lado da cama e vê a xícara vazia. Sorri, novamente ela não o incomodaria, estava sedada.



Vai até a porta dos fundos e a abre, chove muito, mas a excitação é tão grande que não se importa, veste uma capa de chuva e sai em direção a casinha onde sua escrava Lulu Amelu mora. Eles não são dignos de morar sob o mesmo teto de seu dono. Com a desculpa de que precisava de um auxiliar para suas prospecções, já que é geólogo, conseguiu que sua esposa deixasse comprar uma Lulu com esta capacitação. Mas, sua intenção era outra – sexo... fácil e submisso.



Já havia realizado este trajeto inúmeras vezes, era perfeito, não havia hora, sempre que sentia vontade ia até ela que não podia recusar e se submetia. Agora ela não chorava mais - deve ter acostumado -, pensava –, ou talvez... até esteja gostando. - Sorriu com este pensamento.



Chegou até a porta do alojamento e, como de costume, entrou sem bater. Estava tudo escuro - ela deve estar dormindo! - Pensou. Foi em direção à cama, tirou a roupa e deitou-se. Começou a procurá-la passando a mão sobre a cama que, para sua surpresa, está vazia.



Levantou rapidamente e acendeu as luzes onde, constatou, ela não estava, começou a chamá-la:



- Ninsun onde está você, eu ordeno que apareça. Eu quero você, agora!



Mas não obteve resposta. Olhou no pequeno baú onde ela guarda as poucas peças de roupa que possuí, e viu que está vazio. Neste momento se deu conta do que aconteceu. Imediatamente ligou para a segurança e falou.



- Minha escrava fugiu, preciso que a encontrem. Deve ser uma fuga em massa, ela é muito nova, não teria coragem para ir sozinha!







***







O mar está repleto de ferozes e gigantes criaturas.



Ninsun sabia disso, mas, tinha algo em seu favor. Sabia que a tempestade os manteria longe da superfície. Sabia, através dos livros que havia lido que eles só atacam na superfície com o mar calmo, então, bastaria que o barco não tombasse e que conseguisse chegar ao outro lado durante a tempestade. Mas, infelizmente, a teoria é muito mais simples que a prática.



A vigilância por parte dos Anunnakis é bastante falha. Estavam preparados para grandes fugas, ninguém imaginaria que alguém se arriscaria a fugir sozinho, e localizar um grupo é bem fácil com seus veículos voadores.



O mar é bravio, as ondas batem ferozmente contra a praia, o rugido da massa de água é apavorante. Está muito escuro, só consegue ver o mar quando os relâmpagos clareiam o céu, e o que vê a amedronta. Inflou seu bote, respirou profundamente várias vezes tentando tomar coragem. Sua vida sempre foram os estudos, jamais passara por aventura semelhante, passou a mão em sua barriga relembrando do porquê de estar ali, e isso a encorajou, por fim, atirou-se ao mar.



Diversas vezes atirou-se no mar bravio, e diversas vezes o mar a devolveu para a praia, parecia que o mar estava trabalhando para os Anunnakis. Novamente ela tentou, e novamente voltou para praia. O vento estava muito forte, e o mar muito bravo. Olhou em direção a terra e seu coração disparou, uma forte luz vinha em sua direção. Não consegue ver o que é, e não precisa, tem absoluta certeza – é uma nave da segurança!



Pensamentos ruins passam por sua cabeça.



- Devem ter descoberto. Meu senhor deve ter me procurado. Mas ele sempre vai mais cedo! – pensou.



A luz aumentava de tamanho, a nave de segurança aproximava-se rapidamente, se a pegarem será terrível, além de ter seu filho arrancado do ventre, ainda sofrerá dolorosos castigos, e talvez até, seja morta. Não pode perder tempo e atira-se novamente no mar, e rema o mais rápido que pode com o pequeno remo do barco. Já está cansada e não consegue vencer as ondas bravias, mas, não pode desistir. Seus braços começam a ficar dormentes pela fadiga. Quando ela olha para terra vê a luz se aproximando, isso lhe dá mais forças e, ela rema ainda mais.



A luz chega à praia, agora pode ver perfeitamente que é uma nave que faz vigia em torno da cidade, a nave está a uns cinqüenta metros dela, mas direcionam o foco de sua luz para a areia. Ela rema ainda mais, até que finalmente, vence a barreira de ondas, ou o vento é que mudou de direção, nunca soube. O importante é que estava indo em direção ao mar, para longe da praia e da nave.



Ninsun nem teve tempo para comemorar. A nave muda de sentido e, direciona seu forte facho de luz para o mar, em sua direção.



– Eles irão me ver – pensa -, estou perdida!



Ninsun conseguiu vencer o primeiro desafio.



As enormes ondas que castigavam a praia, próxima a cidade, foram vencidas, mas, uma nave patrulha a procurava. Se a encontrarem sabe que não terá perdão. A nave muda de direção e, direciona o facho de luz em sua direção. A luz é muito forte, tanto que, Ninsun fica momentaneamente cega, quando sua visão volta, não vê mais a nave, mas ela não havia desistido da busca.



Uma enorme massa de água se ergue bem no momento em que o facho de luz a focalizou, formando um muro entre Ninsun e a nave de busca. Quando a muralha de água baixou, ela pode ver a nave seguindo a praia e se distanciando, estava salva, pelo menos, por enquanto.







***







- Senhor. Procuramos em todas as direções - falou um dos guardas da cidade ao dono de Ninsun -, nem um sinal de sua Lulu ou de qualquer tentativa de fuga. Tem certeza de que não está em algum cômodo da casa?



- Tenho certeza absoluta, ela é proibida de entrar na minha casa. – Respondeu. – Ela levou suas roupas, certamente fugiu.



- Se ela fugiu, foi sozinha, pois não temos mais nenhuma denuncia de fuga. Com certeza algum animal selvagem, se não a matou, a irá matar. Talvez, ao amanhecer, encontremos suas coisas, ou quem sabe, pedaços de seu corpo. No momento não podemos fazer mais nada. – O guarda já estava saindo, quando virou-se e, completou – Aconselho que compre outra escrava, porque esta, certamente não sobreviverá!







***







O dia amanheceu e Ninsun ainda não chegara à outra margem.



A tempestade parou, havia agora um belo sol no céu azul de Nippur. Ninsun estava tão contente com este sol que a estava aquecendo e secando que, esqueceu dos perigos do mar calmo. Já avistava ao longe a costa, consultou seu aparelho de localização e sorriu, - estava correta, era a outra margem, era seu destino. Pegou o pequeno remo e começou a remar em direção à praia, seu braço doía pelo esforço da noite anterior, mas seu objetivo estava próximo.



Começou a pensar em seu filho, não havia nascido ainda nenhuma criança hibrida, Lulu e Anunnaki.



– Será que ele será perfeito? Será que saberá falar? Será que não carregará consigo alguma doença séria? Será que valerá a pena o risco?



- Sim, valerá o risco! - Falou para si mesma acariciando sua barriga - Ele é meu filho, isso, por si só, já vale o risco! – Concluiu.



Por apelo popular, foi aprovada uma lei, que permite a qualquer Anunnaki comprar seus próprios escravos Lulus, que passaram a não ser mais de propriedade exclusiva do Estado. Isto tornou ainda pior a situação, que já não era boa, dos Lulus. Não existe uma lei que os defenda e seus donos podem fazer o que quiser com eles, são suas propriedades, isso significa que, podem ser maltratados sem que ninguém, nem mesmo o governo intervenha. Graças a isso, muitos incidentes começaram a acontecer.



Tornou-se prática comum o estupro de jovens Lulus por parte dos Anunnakis. Mas, aconteceu algo que ninguém esperava. Algo que era, para os Anunnakis, inconcebível: Algumas Lulus engravidaram dos seus senhores Anunnakis. Pensava-se que isso seria impossível, já que os Lulus são considerados seres inferiores aos Anunnakis, mas sim, aconteceu.



Para salvar o puro sangue Anunnaki de uma miscigenação, o Chanceler Enlil, foi então obrigado a promulgar uma lei que obriga o agressor, e futuro pai, a levar imediatamente a Lulu grávida para realização de um aborto, tudo para não macular a pura raça dos Anunnakis.



Caso o bebê viesse a nascer, o pai seria identificado através de exame de DNA e, seria severamente punido por permitir a degeneração da raça Anunnaki, e o bebê seria morto. Os médicos especializados em tratar Lulus começaram a ter muito trabalho para a realização dos abortos em jovens violentadas, muitas choravam, por não querer seu filho morto, mesmo que este seja fruto de um estupro. Outras, no entanto, estavam tão traumatizadas com a violência que não apresentavam reação nenhuma, como se estivessem em transe. Não raro, a mesma Lulu ser trazida pelo seu dono para abortar dezenas de vezes.



- Isso não vai acontecer com meu filho, ninguém irá matá-lo! - Pensou Ninsun sozinha, remando seu barco inflável.



Seus pensamentos, porém, foram dispersos pelo som de algo saindo ferozmente da água, e, era algo grande.



O susto de Ninsun foi tamanho que ela caiu de costas no chão do barco. Aos poucos foi criando coragem, e erguendo lentamente a cabeça, para ver o que saíu da água. Quando de repente, algo saltou novamente, agora atrás dela, e ao lado e a frente, eram vários e saltavam freneticamente, chacoalhando violentamente o pequeno barco. O terror tomou conta dela quando reconheceu o que a rodeava.



Eram grandes baleias carnívoras.



Um grupo de baleias carnívoras cercava seu barco, tinha certeza do que eram, pois o biólogo Anzu já às havia catalogado e filmado, Ninsun estudou sobre estes seres na escola, era pratica comum mostrar os ferozes animais de Nippur nas escolas, isto intimidaria futuras fugas. Ela sabia também que estavam em posição de caça e, a qualquer momento uma baleia bateria com a cabeça no fundo do barco, jogando-a longe, diretamente para a boca de outra, depois a rasgariam em pedaços em um sádico cabo de guerra. Não havia como escapar, seu ataque era... sempre fatal.



Mas, parecia que o destino a queria viva afinal.



Ninsun estava encolhida no chão do barco, esperando pelo ataque fatal das baleias, quando de repente, surge algo ainda maior.



A investida contra uma das baleias foi tão violenta que os dois, presa e caçador ficaram suspensos sobre a água, por alguns segundos, eles pareceram planar, para depois cair violentamente no mar.



A queda cria uma onda enorme que balança perigosamente o barco de Ninsun, despejando sobre ela, uma grande quantidade de água. – É um megalodon! – Ela tem certeza.



Ela também havia estudado a forma de ataque destes gigantes tubarões devoradores de baleias. Sempre atacam vindos por baixo, de forma a não serem visto, um ataque surpresa. A primeira mordida é sempre perto da calda da baleia, isso faz com que a vitima perca a mobilidade, virando presa fácil. Depois ele volta para as profundezas e aguarda, pacientemente, por sua morte através da perca de todo seu sangue. É um método engenhoso, que preserva a sua integridade, já que não precisa entrar em combate com um grupo de baleias iradas.



No mar surge uma enorme mancha vermelha, a baleia atacada está se esvaindo. As outras baleias, neste momento esquecem o ataque ao barco de Ninsun e tomam posição de defesa a volta da amiga machucada. Ninsun está petrificada com a aterradora visão do embate entre seres de mais de 20 metros de comprimento, perigosamente próximo ao seu barco inflável. Felizmente, seu instinto de sobrevivência fala mais alto, e a tira do transe. É a sua chance, provavelmente a única.



Com este pensamento, ela rema, desesperadamente, em direção a margem. Depois de muito esforço, e graças à alta dose de adrenalina que corre, neste momento, em suas veias, ela alcança seu objetivo. Com o restante de suas forças, arrasta seu barco para fora da água.



- Preciso encontrar um esconderijo. - Mas seu corpo já não obedece, e ela cai desacordada na areia, completamente exausta e... extremamente vulnerável.



Resolvi passar a noite longe de meu apartamento.



Na noite que escapei no shopping sabia que não era seguro voltar ao meu apartamento, ou ir para o de algum amigo, poderia envolvê-lo desnecessariamente, por isso, escolhi pernoitar em um hotel barato. A escolha de um hotel deste nível foi em primeiro lugar, porque não exigem registro de seus clientes, assim não deixaria rastro, em segundo lugar, porque estava com pouco dinheiro nos bolsos e, não poderia usar cartão.



Na manhã seguinte, tomei um ônibus rumo a uma cidade da região metropolitana. Minha intenção era sacar dinheiro de minha conta corrente para ficar o mais longe possível de Curitiba. No banco me dei conta de quão poderosas eram as pessoas que estavam me perseguindo. Minha conta, e todo meu dinheiro estavam bloqueados.



O baque desta notícia foi como se jogassem sobre minha cabeça, um balde de água fria, serviu para eu cair em si sobre o que estava acontecendo com minha vida. Até então, estava fugindo por impulso e, pelo orgulho moral em preservar uma relíquia, agora me questionava – Será que vale a pena?



Tentando reorganizar meus pensamentos, fui até uma lanchonete local e pedi um café. Apesar de ir contra minha meus princípios, estava disposto a entregar a tábua, bem como os decalques e voltar para minha vida normal. Estava assustado e com medo do que poderia me acontecer.



– Se entregar as relíquias me deixarão em paz! – Pensei.



Havia um televisor ligado em um destes programas policiais. Geralmente não dou muita atenção a este tipo de programa, mas, estavam mostrando uma matéria que chamou a minha atenção.



Um professor da USP fora assassinado em seu apartamento, até ai, infelizmente no Brasil, nenhuma novidade. O que o repórter sensacionalista mostrava, entusiasmado, era que, no dia anterior, o professor postou em sua página pessoal que havia realizado testes em uma tábua de argila com inscrições cuneiformes de mais de 170 mil anos e possuía gráficos de um aparelho de datação para comprovar. O repórter citou que, apesar de seu apartamento estar revirado, as únicas coisas que pareciam estar faltando eram os gráficos, e terminou com a frase:



- Se comprovado, esta informação colocará em xeque tudo o que já sabemos sobre nossa civilização. – E, terminou com uma pergunta maliciosa - Será que esta descoberta incomodou alguém?



- Filho da mãe! – Falei em voz baixa. – O professor é o amigo de Mari!



Quase derrubei meu café. Meu coração disparou e minhas pernas amoleceram. Se mataram o professor da USP somente por estar com os gráficos, que sem a relíquia não provam nada, imagine o que fariam comigo.







***





Ela sai assustada da caverna onde, temporariamente, moram.



No começo, não parecia o melhor lugar para se criar um filho, ainda mais sozinha, mas, a vida na natureza a surpreendeu, e as cavernas se mostraram ótimos abrigos. Constantemente estavam mudando de lugar, Ninsun vivia com receio que os encontrassem, sabe se seria terrível. Por isso não deixava que ele saísse muito longe, o estava ensinando como se defender e se esconder neste mundo perigoso, mas, ainda é só uma criança.



Crianças não enxergam o perigo, o mundo para eles não passa de um grande brinquedo, que deve ser inconsequentemente explorado. Ninsun o chama, porém não obtém resposta, chama novamente, agora com mais força, e nada. Seu coração de mãe acelera, ela fica alerta.



– Será que o encontraram? Será que algum animal o pegou? – Pensa.



Ela anda em direção a algumas árvores cobertas de neve, que estão próximas, nem reparou na beleza do lugar, beleza esta que sempre exaltava, junto com seu filho. Ao passar próximo da primeira árvore, é surpreendida. Um vulto surge do nada e pula de cima da árvore e agarra-se com força em seu pescoço, com o susto ela grita.



Só após alguns segundos se recupera e descobre quem é seu agressor.



- Gil, que susto! – Falou com um sorriso de alívio em seu rosto ao ver seu filho vivo e feliz.



- A mãezinha... adoro esta sua cara de preocupação. – Respondeu o menino em tom meigo.



Gil é um belo hibrido Lulu, está agora com seis anos, mas, em tamanho já iguala sua mãe. Os Anunnakis são muito mais altos se comparados aos Lulus.



- Você não deve fazer isso Gil, sabe que me preocupo.



- Eu sei mãe, mas não tenho com quem brincar, me sinto muito sozinho. Estou com saudade de Hughu. Poderíamos morar com eles.



O início, após a fuga, foi muito difícil para Ninsun. Grávida e sem saber como se virar sozinha em um mundo que, apesar de ser sua terra natal, era desconhecido, jamais havia saído de Eridu, a cidade Anunnaki.



Hughu é uma criança de uma espécie nativa de Nippur, que os Anunnakis batizaram de kerabulus, eles ajudaram muito Ninsun principalmente quando ela deu a luz. Apesar de possuírem uma linguagem rudimentar e de dominarem o fogo e a fabricação de algumas ferramentas, não são muito inteligentes.



- Sorte deles. – pensava Ninsun – Senão eles é que seriam os escravos dos Anunnakis.



Ninsun trouxe em sua fuga, o livro da botânica Ninsar. No início, ele foi seu guia na hora de comer, pois havia um estudo sobre algumas plantas venenosas de Nippur, mas foram os kerabulus que a ensinaram realmente sobre o que poderia ou não ser comido, sem correr o risco de morrer ou ficar doente.



- Eu sei que está com saudades, querido – falou Ninsun, acariciando a cabeça de Gil –, mas não podemos viver com eles, é perigoso.



Ninsun gostava de viver com os kerabulus, pelo menos não estavam sozinhos, mas, como se dividiam em grupos numerosos, de cerca de trinta indivíduos, ela achava que seria fácil para os Anunnakis os encontrar, ainda mais que, os dois se destacariam no meio do grupo, graças às gritantes diferenças anatômicas.



- Vamos para dentro, hora de aula! – Falou a mãe para o garoto.



- Hááá Mããããe! Por quê?



- Porque você precisa aprender Gil, você é muito inteligente e deve exercitar este seu cérebro para ficar ainda mais!



Ela sabia que precisava passar tudo o que aprendeu para Gil, e também contar-lhe sua história. Contar que seu povo fora criado para servirem como escravos dos Anunnakis, que Lulu Amelu significa “Trabalhador Primitivo”, contar tudo que ela passou para salvá-lo da morte antes mesmo de nascer. Mas, como falar disso a uma criança, como contar que existem outros, e que são tratados de forma cruel, contar sobre os Anunnakis, sobre seu pai...



No tempo certo contaria tudo, mas, por hora, precisava ensiná-lo a ler e a escrever.



Preciso levantar dinheiro e sumir, senão, serei o próximo.



Com minha conta corrente e meu dinheiro bloqueados, a única opção que via no momento, era conseguir um adiantamento.



Fui falar com o reitor da faculdade onde lecionava. Precisava convencê-lo a adiantar meu salário, em dinheiro e ainda, se possível, levantar um empréstimo. Certamente, se contasse com o que me envolvi, teria facilmente o dinheiro, ele é um grande preservador de relíquias e um grande investidor em museus e expedições arqueológicas, mas não poderia envolvê-lo, sabendo dos riscos que ele correria se soubesse desta história.



Consegui levantar com o reitor o dinheiro do salário a que tinha direito e ainda um adiantamento equivalente a mais um mês. A pior parte foi agüentar o sermão do reitor, sobre como eu deveria aprender a gerenciar melhor meu dinheiro para ter uma situação econômica mais saudável.



Além de desnecessário, já que sempre mantive controladas minhas finanças, ainda, estava com pressa, havia o risco me procurarem em meu local de trabalho e, aqueles conselhos, inúteis, apesar da boa intenção, estavam fazendo com que ficasse mais tempo que o planejado na faculdade.







***







Os dois nunca ficavam muito tempo em um só lugar.



Não é fácil sempre estar mudando, mas é perigoso ficar parados, Ninsun sabe bem disso. O planeta é muito frio, e nem sempre encontravam uma caverna para ficar, porém, ela desenvolveu uma técnica para construir um abrigo com a neve. Por incrível que pareça, ficar abaixo da neve é menos frio que do lado de fora. Também aprendeu a fazer roupas da pele de animais. Ninsun nunca teria coragem de abater um animal, os dois viviam basicamente da coleta, mas os kerabulus caçavam e preparavam as peles com que presenteavam Ninsun.



Todo o conhecimento acumulado por Ninsun era passado para Gil. Ela nem acreditava em como conseguiu aprender tudo isso e a viver sozinha, ainda mais na situação em que estava. Grávida e sendo caçada, nunca imaginou ter forças para tanto, mas ia ser mãe, e precisava proteger sua prole. Isso lhe deu forças acima do que jamais imaginou possuir.



A aventura de ser mãe a fez superar a si própria.



Apesar de tudo que passou, Ninsun estava grata. Certamente, sua condição ainda era muito melhor que as dos outros Lulus. Na cidade, sua venda fora liberada pelo governo a quem pudesse pagar, e agora estão à mercê da bondade de seus donos, bondade que, de fato, não existe.



Os que estavam sob a batuta do governo, trabalhavam exaustivamente nas fábricas de armas, que segundo o Chanceler, seriam enviadas à Nibiru para proteção do planeta. Para os próprios Anunnakis, isso não fazia sentido, já que o planeta todo estava sob o comando de um único rei, o Rei Anu e, há muitos anos não havia guerras, mas como não precisavam trabalhar para criação das armas, não questionavam. Outros Lulus do governo trabalham nos campos, plantando e criando animais para alimentar os Anunnakis.



Em pior situação estão os que trabalham nas minas, chamadas pelos Anunnakis de aralis, lá sim as condições são terríveis. Para os Lulus ser enviado para as aralis é uma sentença de morte, e da pior maneira possível, tanto que, as minas são chamadas pelos Lulus de “inferno”.



Ereshkigal, que assumiu o controle das aralis depois da morte de Enki, o irmão do Chanceler Enlil, comanda os Lulus com mãos de ferro. O Chanceler, e todos mais, fazem vista grossa quando o assunto é o tratamento dos Lulus nas minas, mas todos estão cientes de tudo o que se passa. A maioria dos casos de aborto forçado infligido às jovens Lulus é das que estão nas minas, muitas inclusive já morreram de tantos abortos que foram obrigadas a fazer. Para os machos, restava a morte por exaustão ou espancamento.



Porém, a última ordem imposta por Ereshkigal nas aralis, mereceu a intervenção do Chanceler, mas não por piedade aos Lulus, mas sim, por questões de custo.



Um túnel desmoronou soterrando três pobres Lulus. Ereshkigal não autorizou que a extração parasse para que os Lulus fossem socorridos, mesmo estando vivos. Sabia-se disso, porque era possível ouvi-los implorando por socorro.



Durante a noite, o grupo de Lulus, abriu mão de seu descanso para salvar os três companheiros. Resgataram dois corpos dos que não resistiram, mas um foi retirado com vida. Ao ver suas ordens sendo contrariadas, Ereshkigal decretou que, se para salvar seus amigos os Lulus poderiam ficar sem dormir, poderiam muito bem trabalhar todas as vinte e quatro horas do dia de Nippur, sem descanso. Os Anunnakis não precisam dormir todas as noites de Nippur, já que sua estrutura biológica está adaptada para seu planeta natal, Nibiru, já os Lulus, precisam de descanso diário.



Foi uma decisão insensata. Metade dos Lulus que estavam nas minas morreu de exaustão.



Todos sabiam que os Lulus deviam ter um período de descanso. Os cientistas que os criaram, deixaram um manual claro de como deveriam ser tratados, alimentados e o período de descanso, bem como, qual seria a idade útil, em que poderiam ser submetidos ao trabalho. Infelizmente, para os Lulus, tudo isto estava sendo ignorado e com o aval do Chanceler. Mas desta vez ele resolveu intervir, não pelos Lulus, mas pelo prejuízo que Ereshkigal causou com sua atitude.



Apesar dos Lulus terem sido criados com capacidade de reprodução, o que faria seu custo de produção ser praticamente zero, eles raramente o faziam. Isso para evitar que seus filhos tenham o mesmo destino desgraçado. Quando uma Lulu fica grávida, sem ser de um Anunnaki, é realmente porque houve um acidente, que os Lulus evitavam ao máximo. Isso estava tornando os nascimentos raros, e matar tantos de exaustão e de uma só vez, é irracional.



O Chanceler enviou uma ordem à Ereshkigal, exigindo descanso para os trabalhadores Lulus, bem como alimentação, já que, todos sabem, os Lulus das minas sofrem de forte desnutrição, o que reduz drasticamente sua vida útil. Ereshkigal protestou.



– Estes cabeças pretas – que era a maneira pejorativa como alguns Anunnakis os chamavam – foram criados por nós, para nos servir, e principalmente, para trabalhar nas aralis. São nossa propriedade e podemos fazer o que quisermos com eles!



Mas ordem do Chanceler era ordem do Chanceler, e Ereshkigal, assim como todos os outros, sabia que não era saudável descumpri-las e, apesar de não ter gostado, obedeceu.



Mas nem todos os Anunnakis pensavam da mesma forma que Ereshkigal sobre os Lulu Amelus...



Com o dinheiro no bolso, tomei imediatamente um taxi para a rodoviária.



Para minha própria segurança, precisava sair de Curitiba com urgência. Optei por viajar de ônibus, pois rodoviárias, normalmente, tem menos segurança que os aeroportos. Ao entrar no taxi, percebi que o taxista olhou para mim como se me conhecesse, sou bom fisionomista e tenho certeza que não o conheço.



Durante o trajeto, sentado no banco de traz do taxi, reparei que o motorista, sempre que parava em um semáforo, folhava um jornal que está sobre o banco do passageiro. – Isto sim é querer se manter informado! – Pensei. Em uma de suas folhadas, percebi que, disfarçadamente ele virou o retrovisor do taxi em minha direção. Sua fisionomia mudou repentinamente.



Andamos mais algumas quadras e, ele parou próximo a um ponto de taxi. Virou-se para mim e falou que precisava entregar uma encomenda a um colega de profissão, disse que seria rápido.



- Estou com pressa! – Falei, mas ele já havia saltado do carro e estava atravessando a rua em direção aos outros taxistas.



Por curiosidade, olhei sobre o encosto do banco da frente para o jornal que o taxista estava lendo. Meu sangue gelou!



- Meu Deus, não é possível!







***







Nebo é o técnico que cuida dos computadores biológicos de Nippur, “o cara da informática”, como é conhecido. Possuí uma fisionomia caricata, um tanto quanto gordinho, barba a fazer e cabelo desgrenhado como se houvesse brigado ferozmente com o pente e, perdido a briga. Sempre teve muito trabalho em Nippur, principalmente antes dos geradores pirâmides serem construídos.



Os computadores Anunnakis são biológicos e sofrem em Nippur do o mesmo problema que as maquinas de mineração, que não funcionaram nas aralis. Não resistem ao frio!



Podemos dizer que os computadores Anunnakis são “vivos”. Sua tecnologia genética é extremamente avançada e todos os seus equipamentos micro controlados, possuem um cérebro biológico, formado por neurônios, basicamente, sua estrutura é desta forma:


Fechado em uma pequena caixa, existe um cérebro biológico, igual ao de grande parte dos seres vivos classificados como animais, com milhares de neurônios. A quantidade de neurônios depende de qual a função do equipamento. Obviamente os neurônios são especializados em processar e armazenar informações, eles não
tem sentimentos, não sentem dor e, sequer, tem pensamentos. Para alimentar estes “cérebros”, existe um liquido, semelhante ao sangue, que tem a função de levam nutrientes e oxigênio ao processador. De tempos em tempos, é necessária a substituição de uma pequena pastilha, que fornece estes nutrientes ao processador biológico.



Como o sistema de aquecimento para os computadores e, também para as máquinas de mineração, foi desenvolvido para funcionar em Nibiru, que é muito mais quente, não são eficientes em Nippur e, os neurônios necrosam e morrem devido ao frio, o que faz necessária a sua substituição.



Isso sempre trouxe muito trabalho a Nebo, principalmente antes de serem construídos os geradores pirâmides. Naquela época, existia um rigoroso racionamento de energia. Nebo chegou na primeira leva de colonizadores, logo após as explorações iniciais, mas, por escolha própria, decidiu não retornar ao seu planeta quando venceu seu contrato de dois anos de Nibiru, que é o tempo mínimo de permanência para quem aceitar trabalhar em Nippur.



Hoje os ambientes são aquecidos e são mantidos aquecidos, mesmo que ninguém esteja trabalhando neles, somente para manter a temperatura dos computadores, isso diminuiu consideravelmente a necessidade de manutenção. Infelizmente para as maquinas que trabalham nas aralis, e não possuem ambiente aquecido, o problema persiste.



Muitas informações foram perdidas devido à morte dos processadores. Para sanar este problema, Nebo aproveitou a rede de computadores de Nippur, e criou um programa que executa, periodicamente, um backup de todos os computadores para um grande cérebro, mantido em condições de temperatura controladas. Esta solução foi muito útil, apesar de ninguém, com exceção de Nebo, saber de sua existência.



Os Anunnakis são um povo desconfiado, e não gostam de outras pessoas vendo seus arquivos, apesar de que Nebo, por profissionalismo, nunca olhou para nenhum dos arquivos armazenados no grande cérebro. Para evitar problemas, o backup sempre ficou em segredo e continua desta forma, mesmo agora que existe energia sobrando para aquecer aos pobres computadores.



A coragem nunca foi o seu forte, mas Nebo estava decidido.



Naquele dia, aguardou ansiosamente o amanhecer, mesmo não precisado dormir todas as noites, ele achou melhor ir pela manhã. Nebo sabe que estará infringindo a lei, e precisará ser discreto para que ninguém perceba. Sempre fora um cidadão que respeitava as leis, apesar de não concordar com muitas delas, mas as respeitava. Tanto por sua consciência, como por medo de ir para prisão. Mas estava decidido. Sabia que precisava fazer isso, pois não se perdoaria se não o fizesse.



Tomou um banho, colocou uma boa roupa e saiu rumo à grande mudança em sua vida.



Curiosamente, olhei para o jornal do taxista.



Queria ver o que de tão interessante ele lia, que sequer poderia esperar pelo término da corrida. Infelizmente, para mim, o que vi não era nada bom.



Ao olhar o jornal, espiando sobre o encosto do banco do passageiro, imediatamente reconheci a foto do suspeito de assassinar o professor da USP. A foto estampava uma das páginas do jornal com a seguinte manchete:







“Assassino do Professor da USP está foragido”







Para minha grande surpresa e pânico, me reconheci na foto do suposto assassino.



Por isso o taxista estava agindo de forma estranha. Certamente me reconheceu quando entrei em seu veiculo e, procurou a foto no jornal para se certificar. Agora estava do outro lado da rua, provavelmente chamando a policia.



Abri a porta, do lado oposto ao do ponto de taxi, e sai abaixado, sorrateiramente. E tão logo estava fora de vista, levantei-me e corri o máximo que consegui. Só parei quando já estava exausto.



O desespero começou a tomar conta de mim. Se minha foto saiu no jornal como sendo procurado por assassinato, certamente mais pessoas irão me reconhecer, a estratégia era perfeita, agora todos seriam meus perseguidores, em qualquer lugar que possa ir. Todos que passavam perto de mim pareciam me condenar, sentia meu coração querendo sair de meu peito.



Preciso fazer algo imediatamente, antes que mais alguém me reconheça!







***







Era época de nozes, e Gil gostava muito delas.



Sua mãe, Ninsun, o ensinou a quebrar a casca utilizando duas pedras, depois disso, levava consigo as pedras para toda parte que ia.



– Nunca se sabe quando encontraremos nozes! - Pensava.



A atenção de Gil para as nozes foi interrompida por um estranho zunido, que parecia vir de longe. Ele olhou para o céu na esperança de ver o que era. Podia ser uma tempestade que se aproximava, mas, o céu estava limpo. Ele conhecia bem os sons de Nippur, e este ele nunca ouvira antes. O zunido começou a ficar mais forte, mais alto, foi gradualmente aumentando. Os pássaros que estavam sobre as árvores levantaram vôo, assustados.



Gil olha para cima, em todas as direções e não vê nada. Olhando novamente para o chão, vê sua mãe correndo em sua direção, e parece nervosa.



– ESCONDA-SE GIL! – Grita ela apavorada.

Gil fica sem ação, não sabe o que fazer. Sua mãe se aproxima, o agarra pela roupa, e o joga para dentro de um buraco na neve próximo a eles, em seguida ela também pula no buraco e começa a desbarrancar toda neve que pode sobre os dois, até que fiquem totalmente cobertos. Gil ainda tenta perguntar o que está havendo, mas, Ninsun manda ele ficar calado e imóvel.



O zunido aumenta. Tudo ao redor começa a tremer, o barulho é ensurdecedor.



Gil está com medo, ele se agarra em sua mãe que pede novamente para ele ficar em silencio. O barulho chega ao limite, a coisa está passando sobre eles. Gil nunca tinha ouvido isso, está apavorado, começa a chorar, mas, obedecendo a sua mãe, em silencio. Aos poucos o barulho vai diminuindo, parece estar se afastando, até que tudo fica silencioso, nem os animais da floresta se manifestam, era como se o mundo acima da neve não existisse mais.



Gil esboça uma pergunta para sua mãe que o manda continuar calado. Eles se mantêm imóveis por muito tempo embaixo da neve, Gil está com frio, sua mãe o abraça protegendo-o, o tempo vai passando até que, Gil adormece.



Quando acorda, já estão na caverna que está servindo, temporariamente, como seu lar. Sua mãe fez um fogo para aquecê-los, já é noite. Gil não consegue entende como sua mãe o trouxe até ali. Agora já tem com Dezesseis anos, e é bem maior que ela.



- O que aconteceu mãe? – Pergunta Gil. – Como cheguei até aqui?



- Eu o trouxe! – Responde a mãe.



- Mas como? Eu já sou maior do que você!



- Para a mãe, o filho é sempre um bebê. – Respondeu dando um sorriso cansado.



Os Lulus foram criados com uma força enorme e muita resistência física para aguentarem a árdua labuta. Isso tornou possível para Ninsun carregar seu filho até a caverna, que não estava muito próxima, mas, o fundamental mesmo, foi à força de vontade de mãe em protegem sua prole, já que o peso de Gil estava acima do que ela realmente podia suportar.



- O que era aquilo mãe? – Perguntou Gil.



- Aquilo Gil, é algo que você deve temer mais que tudo, mais até do que a um tigre dentes-de-sabre ou um megalodon. Quando o ouvir novamente, largue tudo que estiver fazendo e esconda-se, o mais rápido possível!



- Por quê?



- Por quê? Simplesmente, porque se o encontrarem, o matarão. Usarão covardemente suas poderosas armas e você... não terá chance nenhuma de defesa.



Ele está decidido a mudar a sua vida.



A fábrica de armas já era velha conhecida de Nebo, havia realizado toda instalação dos computadores, logicamente não o fez sozinho, alguns Lulus da fábrica o ajudaram nesta tarefa e, devido a isso, estava ali hoje. Antes de entrar, passou a mão nos cabelos e deu uma ajeitada na roupa, se olhando para ver se estava tudo no lugar. Deveria ser perfeito.



Foi direto conversar com o feitor da fábrica, já eram conhecidos. O feitor achava estranho, e sempre se perguntava do porque de Nebo sempre vir passear na fábrica, afinal, não havia nada para ver neste lugar, mas nunca teve coragem de perguntar a ele. Neste dia, porém, Nebo não veio passear, veio tratar de negócios. Não perdeu tempo e, logo após cumprimentar o feitor, foi direto ao assunto.



- Quero comprar um escravo Lulu!



O feitor ficou meio sem ação, e depois de algum tempo processando o que Nebo falou, decidiu responder.



- Creio que você veio ao lugar errado, os escravos devem ser comprados do governo. Aqui só fabricamos armas. Se quiser comprar alguma até posso lhe ajudar.



Nebo sabia bem disso, poderia conseguir um escravo até de graça se falasse com o Chanceler, mas, na verdade, não era bem um escravo que ele queria, era uma escrava.



Durante o trabalho que realizou na fábrica, conheceu uma bela Lulu, chamada Lizi, que o ajudou na instalação dos computadores, a principio ficaram amigos, sempre vinha à fábrica conversar com ela, mas agora, estava sentindo algo mais por ela. Estava apaixonado.



Pelas leis de Nippur, este amor não pode acontecer. Em hipótese nenhuma um Anunnaki poderia ter um relacionamento com uma Lulu, os próprios estupros são ilegais, mas, o Chanceler faz vista grossa e eles ocorrem normalmente. Um relacionamento amoroso é impensável, certamente seriam separados e ela, castigada. Por isso Nebo bolou um plano, iria comprá-la.



- Eu sei que aqui não é o lugar para comprar escravos, vocês fazem armas. – Falou Nebo ao feitor – Mas, um de seus escravos me seria muito útil, pois ele tem bom conhecimento sobre informática, conhecimento este, que não encontrarei nos Lulus do governo.



Nebo não podia falar que pretendia manter um relacionamento amoroso com uma Lulu, por isso inventou que, devido à “experiência” que ela teve ao ajudá-lo a instalar os computadores da fábrica, ela seria muito útil aos seus propósitos. A princípio, o feitor se recusou, afinal ela era uma boa escrava, e depois não tinha nenhum interesse em vender ninguém. Porém, mudou de idéia quando Nebo lhe ofereceu uma grande quantia em dinheiro, que o feitor receberia sem que ninguém soubesse. Nebo havia economizado para quando retornasse à Nibiru, mas agora havia outra prioridade em sua vida.



Após o acerto com o feitor Nebo a levou para sua casa, infelizmente a quantia que possuía não foi suficiente para compras os pais de Lizi, que continuariam escravos na fábrica de armas.



– Você pode visitá-los sempre que quiser! – Falou Nebo para Lizi, que não sabia das suas reais intenções.



Em casa mostrou a ela, entusiasmado, todos os cômodos, e onde ficaria o seu quarto. Logo que ela se instalou, saíram para comprar roupas novas já que ela possuía somente os uniformes da fábrica de armas.



Novamente em casa Nebo preparou uma saborosa refeição para os dois e foram para cama, cada um para sua.



A violência dos Anunnakis contra fêmeas Lulus é famosa, Lizi ficou esperando que Nebo viesse deitar com ela, afinal, desconfiava do porque de Nebo ter lhe comprado. Para sexo.



A espera foi longa, Nebo não veio e Lizi acabou adormecendo. Acordou com um delicioso cheiro de comida no ar, ao levantar deu de cara com Nebo preparando o café da manhã.



- Porque se levantou? – Perguntou Nebo – Eu estava preparando o seu café da manhã, e o levaria em sua cama.



Lizi estranhou a atitude, nunca ouvira falar desta gentileza, principalmente, partindo de um Anunnaki.



- Quer que eu volte para cama? – Perguntou receosa a Nebo.



- Não. Era uma surpresa, agora não tem mais graça!



- Desculpe, eu não sabia...



- Não tem que se desculpar. Você está linda!



Ela deu um sorriso sem graça, passando suas mãos nos cabelos desgrenhados de quem acaba de levantar.



Depois do café Nebo sai para trabalhar. Ainda não leva Lizi junto, acha melhor avisar o Chanceler que agora possui uma Lulu para ajudá-lo. Como é o único a trabalhar com computadores em Nippur, responde diretamente ao Chanceler e isso lhe dá algumas vantagens, já que, é subordinado diretamente ao Anunnaki mais poderoso de Nippur.



Ao voltar do serviço se surpreende ao encontrar sua casa como nunca vira antes. Quase não a reconheceu, pois, estava limpa. Lizi havia arrumado tudo e preparado um delicioso jantar para os dois. Ele contou que o Chanceler não só aprovou como achou uma ótima idéia ele ter uma ajudante, afinal, todos sabiam que ele trabalhava muito.



Novamente após o jantar foram cada um para sua cama e Lizi esperou por Nebo que, novamente não apareceu. No outro dia os dois foram juntos para o trabalho, após um belo café da manhã. Nebo se mostrava muito carinhoso com Lizi, tratando-a gentilmente, como nunca fora tratada antes, pelo menos não por um Anunnaki. Varias outras noites passaram e nada de Nebo procurar Lizi, nem de se declarar para ela.

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