quarta-feira, abril 25, 2012

As Tábuas de Nippur - Génesis (parte 2)


Após muitas noites, separados, Nebo está novamente deitado sozinho em sua cama, quando sente alguém deitar ao seu lado, vira-se para ver quem é, e, para sua surpresa, vê Lizi. No momento em que ele foi falar, ela faz sinal para fique quieto e o beija. Foi uma noite mágica, a primeira vez dos dois. Quase não se falaram, não precisava, pareciam saber exatamente o que o outro pensava.



Eram, neste momento, uma simbiose perfeita.



Ao amanhecer, depois de vários dias juntos, finalmente Nebo conseguiu servir a ela o café da manhã, na cama. Cama esta, que agora estão dividindo.







***







O assessor entra no gabinete.



Atrás de sua enorme mesa, sentado em uma confortável poltrona, está o Chanceler.



O assessor acaba de voltar de Nibiru. As viagens entre os dois planetas, sempre ocorrem quando há aproximação de suas órbitas, a cada 3600 anos de Nippur. Isso é essencial para economia de energia no transporte. Mas a viagem do assessor foi uma exceção, precisava se certificar de que nenhuma informação indevida fosse ventilada.



- Como foi à conversa? – Pergunta o Chanceler.



- Perfeito, ela não dirá nada! – Responde o assessor.



- Já imaginava. Ela sabe que irá prejudicar a si própria se contar. E sobre seu pai?



- Ela continua achando que foi um acidente!



- Ótimo. Isto foi necessário, certamente ele a convenceria a desistir. Tudo está saindo de acordo com o que previ. – Tomou um longo e saboroso gole de seu drink. – Agora posso prosseguir com os planos. Nada, nem ninguém, poderá me impedir!



Um animal acuado.



Essa é a melhor expressão para o que sinto neste momento. Depois de ver minha foto no jornal com a manchete sobre o assassinato do professor da USP, parecia que todos estavam me condenando e prontos para chamar a policia.



Como iria escapar? Não poderia pegar taxi nem ônibus, muito menos entrar em algum hotel ou sequer, ficar parado, no centro de Curitiba.



Ao meu lado parou um caminhãozinho. O motorista e o ajudante abriram o compartimento de carga e entraram no furgão. Em pouco tempo, cada um saiu, com um grande pedaço de carne nos ombros, e seguiram em direção a um açougue. Não raciocinei, e, agindo de forma impulsiva, pulei para dentro do furgão e me escondi atrás dos pedaços de carne. Em pouco tempo o motorista e o ajudante voltaram, fecharam o furgão. Senti o veiculo sendo ligado e começando a andar.



Era um furgão frigorifico, e em poucos minutos, comecei a tremer de frio. Precisava resistir. Encolhi-me em um canto, abraçando a valise com a tábua de argila e os decalques. Precisava me manter aquecido.



Depois de algumas entregas seguidas, nas quais sempre me escondia atrás da carga, finalmente o caminhão começou a andar sem parar por durante vários minutos. Não tinha a mínima idéia para onde iria, mas desde que fosse para bem longe, estava bem, apesar do frio que estava sentindo.



Novamente outra entrega. Pelo tempo transcorrido, achei que já era hora de sair, não deveríamos mais estar no centro de Curitiba e, já não havia muita carne no compartimento para me esconder. Aguardei os dois ocupantes do veiculo pegar, cada um seu pedaço de carne nos ombros e sair. Tirei a cabeça, cuidadosamente, para fora do furgão, para observar onde estávamos.



É um grande depósito, talvez de alguma empresa. Há muitas grandes prateleiras com alimentos, sacos de arroz, feijão, caixas de legumes e verduras... pensei que poderíamos estar em alguma empresa fornecedora de refeições industriais.



Sai do furgão e me escondi atrás de algumas caixas com frutas e, aguardei pacientemente, pela noite, para poder sair com menos risco de ser visto.







***







Aquele lugar não era mais seguro.



Ninsun sabia bem disso. Uma nave de reconhecimento Anunnaki havia passado, poderiam só estar passeando, matando animais por puro prazer, como costumavam fazer, ignorando os pedidos do Doutor Anzu, mas não podiam arriscar. Tão logo terminaram de comer Ninsun falou para Gil:



- Junte nossas coisas querido, temos que ir. Vamos para o leste.



E para o leste eles seguiram, sempre com todo cuidado, sempre se protegendo. Procuravam sempre os lugares com mais árvores ou qualquer coisa que os ocultasse se vistos do céu, e seguiam por baixo, mas olhando com cuidado para o céu. Os Anunnakis não suportam o frio, por isso não vem para esta parte congelada do planeta, então, por terra, eles não viriam, o perigo estava no céu, e em suas naves.



- Gil – falou sua mãe –, olhe sempre para o céu, mas sem se descuidar dos animais selvagens em terra, qualquer coisa estranha que vir, esconda-se o mais rápido possível. Não temos como lutar contra eles e sua tecnologia. Precisamos ser invisíveis.



Caminharam por alguns dias, Ninsun desviou um pouco o caminho para passarem perto do mar, precisavam de sal, e o retiravam da água do mar. Havia algum tempo que não vinham para esta região, pois era mais quente, o que poderia atrair algum Anunnaki. Ela sabia da existência de uma confortável caverna onde já haviam passado algum tempo, e da qual Ninsun tinha boas lembranças. Isso fazia já alguns anos, Gil era ainda bem pequeno, mas ainda assim, lembrou-se do lugar.



Ele gostava muito do mar, havia algo mágico, um tanto melancólico. Sempre sentia um aperto no peito diante daquela massa de água que carinhosamente lambe a branca areia da praia. Sempre se perguntou o que teria do outro lado de toda esta água, sua mãe sempre lhe disse que não havia nada, mas Gil não acreditava – deve ter algo, afinal, a terra é redonda – pensava. Mas o que mais lhe agradava aqui era a temperatura, maior que os outros locais onde passaram, por ele viveriam ali para sempre, mas sua mãe ficava apenas tempo suficiente para conseguir o sal. Sempre repetia que ali não era seguro.



O frio o incomodava muito, apesar de toda a roupa que sua mãe faz com grossas peles de animais, ainda assim sente muito frio. Gostaria de ser como sua mãe que tem uma resistência muito grande às baixas temperaturas - Talvez quando crescer! – pensava, e este pensamento o confortava, porque, em um mundo como o seu, coberto de gelo, precisava criar resistência e pegar gosto pelo frio, ou, sofreria pelo resto da vida.



Gil reconheceu a caverna imediatamente e, saiu em disparada na sua direção. Queria ver como estavam os desenhos que fez, juntamente com Hughu da última vez que estiveram ali. Mas, ao chegar próximo a entrada da caverna, algo o deteve. Não sabia o que era, mas algo o perturbou e, ele parou. Sentia que havia algo diferente naquela caverna. Algo, que ele não conhecia.



- Tem algo lá dentro mãe! – falou Gil.



- Você viu alguma coisa Gil?



- Não!



- Então como sabe?



- Não sei como! Mas eu sei... que tem algo lá, eu posso sentir!

A noite chegou, e como tinha previsto o fluxo de pessoas cessou.



Sai de meu esconderijo e fui até o banheiro, a natureza me chamava. É um banheiro grande, com um enorme vestiário e vários armários de metal, certamente onde os funcionários guardam suas coisas e, entre eles, há vários bancos largos, feitos de madeira.



Sobre um dos bancos um jornal estava esquecido. Peguei-o na esperança de encontrar a matéria onde me acusavam pela morte do amigo de Mari, queria ver mais detalhes sobre o crime ao qual estavam me acusando. O jornal era de outra agencia de notícias, mas, para minha decepção, também apresentava a matéria do assassinato, e a minha foto.



“Briga por relíquia arqueológica motivou o assassinato



A policia diz não ter dúvidas quanto ao autor e a causa que levaram ao assassinato do professor da USP. Segundo a policia de SP, o assassino seria o também professor, Doutor Prawdanski (foto). O crime teria sido motivado pela posse do artefato arqueológico a que o professor assassinado se referiu em sua página pessoal. “A vaidade em se promover no meio acadêmico foi o estopim do crime” disse o delegado encarregado do caso. “Não temos mais nenhuma dúvida quanto ao executor”, completou.



O assassino continua foragido, e a policia pede para que, se alguém tiver alguma informação, deve ligar para o disque denuncia no numero... “



- Filhos da mãe! – Falei jogando o jornal sobre o banco – Que mentirosos!



O jornal caiu aberto bem na pagina com minha foto. A minha frente havia um espelho, comparei-me com a foto, era facilmente reconhecível. Precisava, urgentemente, fazer algo, precisava mudar minha aparência.



Vasculhando no vestiário, encontrei o que precisava para a mudança. De posse dos utensílios, fui para o chuveiro e penosamente comecei minha transformação. Aproveitei para tomar um banho, estava realmente precisando.



Ao sair, procurei novamente o espelho.



Estava muito diferente e... muito feio. Certamente, nem minha mãe me reconheceria, eu próprio não estava me reconhecendo.







***







Ninsun e Gil chegam à porta da caverna. Esta já é uma caverna conhecida, mas havia algo diferente. Ninsun não notara nada, mas Gil sim. Era algo novo para ele, nunca havia sentido nada parecido, tanto que não soube sequer explicar o que sentia para sua mãe.



- Tem algo ali dentro – falou Gil –, e está precisando de ajuda!



- Você está me assustado Gil. Pare de brincadeira!



- Não estou brincando mãe, tem algo lá dentro e eu não sei o que é!



Este é um planeta muito selvagem, Gil pode ter razão, pode existir ai dentro algum animal perigoso, mas precisam de um local para passar a noite, já vai escurecer logo, e fora de um abrigo, poderiam ser facilmente localizados pelos Anunnakis, ainda mais onde estavam. É um local mais quente, e por isso, mais próximo à Eridu, mas é um lugar especial, porque foi ali, nesta caverna que Ninsun deu a luz ao seu filho. Ela própria escolheu este lugar justamente pela temperatura, pois o frio poderia matar Gil que tem uma parte Anunnaki.



Era uma noite de verão, a temperatura estava agradável, porém, como é comum no verão desta parte de Nippur, chovia muito. Ninsun acomodou-se para dormir, havia jantado um pouco de frutas, quando sentiu uma dor muito forte.



- A hora chegou!



Tanto quanto a dor, um enorme medo cresceu dentro de si. Estava sozinha, e iria dar a luz, neste momento sentiu uma ponta de arrependimento de ter fugido, pensou que iria morrer, e começou a chorar.



A dor cada vez aumenta mais, sabia o que tinha que fazer, havia estudado, mas agora não era mais teoria, agora era a vida real. O bebê também não ajudava, já que, é muito grande, maior que um bebê normal de sua espécie, não seria fácil o parto, ela começou a gritar. De repente um relâmpago clareia a entrada da caverna, e ela viu alguns vultos. Eles vêm em sua direção, mas a dor que sente é tão forte que nem se importa com isso. Os seres se aproximam e a examinam a certa distancia, depois falam entre si, Ninsun não consegue entender, e também não os reconhece, são seres de baixa estatura.



As criaturas se aproximam.



Uma segura na mão de Ninsun e a olha ternamente nos olhos, isso traz um pouco de paz, outra vem com uma tigela com água que põe no fogo, logo outra vem com algumas ervas.



Os seres começam com o procedimento do parto, Ninsun não sabe quanto tempo Gil levou para nascer, mas pareceu uma eternidade, certamente não conseguiria dar a luz sozinha. Finalmente o bebê nasceu, e chorou. Uma das kerabulus limpa o recém nascido e o entrega à Ninsun com um sorriso. Ela o pega em seus braços, é um menino e é lindo. Neste momento, ela teve a certeza de que fizera a coisa certa, eles o iriam matar e agora, ele está a salvo em seus braços, a recompensa chegara e era bem maior que ela esperava. Ela abraça o bebê junto ao seu corpo e fala:



- Seu nome será... Gilgamesh!

Durante muitos anos cultivei, orgulhosamente, minhas madeixas.



Sempre me gabava entre meus colegas por não ser calvo – a maioria deles era. Além disso, conservava uma barba vistosa. Talvez por resquícios inconscientes e primitivos de nossos antepassados, mas eu me sentia bem com esta barba. Ela me fazia sentir imponente, másculo, bonito. Apesar de que esta opinião não era compartilhada pelas minhas amigas do sexo oposto que, dizem preferir homens sem barba. Na verdade, às vezes até me chamam de Neandertal.



Não foi fácil para mim. De posse de um aparelho de barbear e um sabonete, que encontrei no vestiário, parti para a raspagem minha tão querida pelagem. Ao olhar no espelho não era mais eu. Não estava me reconhecendo e esperava que ninguém me reconhecesse também.



No retrato que os jornais estão exibindo, meu rosto quase não é visível, sendo coberto por pelos. Agora, com cabelo e barba raspados, esperava passar despercebido, e conseguir fugir para longe, para um lugar onde poderia terminar a tradução das relíquias e, manter minha vida a salvo.







***







- Fique aqui fora Gil! – Falou Ninsun entrando na caverna.



Ela carrega consigo uma lança com ponta de sílex bastante afiada. Foi presente dos kerabulus, juntamente com uma faca do mesmo material. Ela nunca usara a lança, mas a usaria se fosse preciso, tudo para defender seu filho Gilgamesh. Em todo este tempo vivendo sozinha com seu filho, perdeu o medo dos animais selvagens, sabe que não se pode subestimá-los, mas sabe também que os animais os temem da mesma forma.



Sorrateiramente ela foi entrando na caverna, sua lança apontada para frente. O escuro a cegou precisava acostumar sua vista. Apertou seus olhos, tentando ver algo, e foi caminhando vagarosa e cuidadosamente para dentro da caverna. Aos poucos seus olhos foram se acostumando com o escuro, olhou ao seu entorno, foi identificando algumas manchas na parede, o resto de uma fogueira que ela mesma acendera há anos, pinturas feitas por Gil...



Mas, ao olhar em um canto mais escuro da caverna, ela viu algo que jamais imaginara ver, ao menos... não ali. A principio não acreditou, achou que o escuro da caverna estivesse lhe pregando peças. Apertou mais seus olhos, e deu um passo a frente.



A coisa se mexeu!



O susto foi tão grande que ela caiu para traz, sentada no chão.



Foi rastejando de costas na tentativa de escapar, ainda olhou novamente, na esperança de que aquela imagem fosse fruto de sua imaginação, mas não era. Com suas pupilas dilatadas pelo medo, ela pode ver claramente e ter a certeza do que via. Ninsun se vira para porta da caverna, levanta-se e sai correndo, deixa para traz até a sua lança, enquanto grita apavorada:



- FUJA GIL. DEPRESSA FUJA!



Fui para uma pequena cidade no interior de Santa Catarina.



Você pode estar se perguntando, se estou me escondendo, porque falar onde estou. Primeiramente porque quando cito um lugar é porque já faz um bom tempo que já sai dele e estou bem longe, em segundo lugar, porque jamais falarei o nome da cidade, e no mundo, existem muitas.



Uma coisa que se aprende quando se viaja muito é que, normalmente, as cidade tem as mesmas características, igreja, praça, monumento, museu, lojas, hotéis... portanto, mesmo descrevendo detalhes da cidade, ainda assim, será difícil descobrir a qual cidade estou me referindo.



Não foi minha escolha vir para esta cidade de Santa Catarina. Quando sai da fábrica onde raspei os cabelos e a barba, sabia que não poderia ir para rodoviária nem para o aeroporto, então, só me restou pedir carona. E a carona que consegui, foi para esta cidade.



Quem gentilmente me cedeu uma carona, foi com um caminhoneiro que transporta grãos do interior para ser industrializado em uma fábrica da região metropolitana de Curitiba. Conversamos muito durante a viagem, e, aparentemente, não me reconheceu. Parece que minha idéia em mudar a aparência funcionou.



Além de raspar meu cabelo e barba, ainda consegui algumas roupas no vestiário dos funcionários. Eram uniformes da Empresa onde me escondi isso, acredito, ajudou na hora da carona.







***







- O trabalho foi limpo Kalkal? – pergunta o Chanceler.



- Como sempre, Senhor. – Responde Kalkal – O inventor criou seu último protótipo!



Kalkal é o Anunnaki de confiança do Chanceler para realização de trabalhos considerados desagradáveis, mas necessários aos seus planos, como retirar de seu caminho alguém que não esteja agindo de acordo com o esperado. Era o que o Chanceler costumava chamar de “a última alternativa”.



- Excelente – falou o Chanceler -, e o comunicador?



- Recolhido como prova, juntamente com o tigre dente-de-sabre e com os restos de Edi, seu inventor.



- Destrua-o, não posso correr o risco de existirem comunicadores não oficiais em Nippur. Informações são perigosas se não monitoradas. Meus técnicos conseguiram interceptar as mensagens que não continham nada de mais, mas, estavam direcionadas para Nibiru e não quero este tipo de comunicação, pode ser enviada alguma informação que não deveria chegar aos ouvidos de certos Anunnakis e...



A conversa foi interrompida pelo barulho da porta de seu gabinete se abre com uma pancada. Anzu entra arrastando consigo um segurança e a secretária do Chanceler. Está muito exaltado.



- Me deixem, preciso falar com você Chanceler. – Gritou Anzu.



- Podem soltá-lo! – Falou o Chanceler para o segurança que está agora agarrado ao pescoço de Anzu e para sua secretária que vinha arrastada agarrada à sua perna.



- Como ousa liberar a matança de animais nativos? – Gritou Anzu com o dedo apontado para o Chanceler.



Anzu fazia parte de um grupo de ambientalistas de Nibiru.



Já haviam realizado protestos, e todo tipo de sabotagem com empresas e pessoas que desrespeitavam o meio ambiente. Seu grupo foi o responsável pela conscientização, que acabou virando a lei, e que proíbe da criação de seres artificiais e sua inclusão em Nibiru, lei esta que impede aos Lulu Amelus de serem exportados para aquele planeta.



Anzu deixou o grupo para seguir como voluntário para Nippur, sua autorização para ser biólogo neste planeta somente foi concedida quando ele se desvinculou formalmente do grupo de ambientalistas. Isso deixou muitos dos seus antigos colegas chateados, achavam que ele era um vira-casaca, mas, na verdade veio para Nippur com uma missão, e já provara isso aos seus companheiros em Nibiru.



- Por favor, sente-se. – Respondeu educadamente o Chanceler apontando para uma cadeira ao lado de Kalkal.



Kalkal levanta-se para sair, ao que é impedido pelo Chanceler que ergue uma das mãos ordenando que fique. Ordem diferente recebe a secretária e o segurança, que são convidados a se retirar.



- Nós havíamos combinado que a matança de animais acabaria, e agora você mesmo autoriza! – Falou o indignado Anzu.



- Primeiramente doutor, bom dia! – Falou irônico o Chanceler - Depois, eu não autorizei, nem autorizarei nenhuma matança!



- E os grupos de remoção?



- Se o doutor se informar, saberá que é somente questão de segurança, você soube o que o tigre dentes-de-sabre fez com um engenheiro nas aralis? – Ele se referia ao Edi, o inventor do comunicador, que, inexplicavelmente fora atacado pelo animal dentro de seu alojamento trancado.



- Sim, eu soube. Mas isso não é motivo para uma matança, nós invadimos sua casa. – Contestou Anzu, ainda exaltado. - Este planeta é destes animais, nós somos estranhos aqui, e temos que respeitá-los!



- As ordens são para remover os animais e, somente os perigosos e que estiverem próximos de Eridu ou das minas, e não matá-los!



- Mas não os estão removendo, os estão massacrando!



- Doutor Anzu – o Chanceler toma fôlego, tentando manter-se calmo -, esta sua atitude é extremamente infantil. O Doutor já havia me acusado anteriormente e, provei que não estava por traz de matança nenhuma, agora vem você novamente com acusações. Está ficando desagradável. – E fez um desafio – Porque não prova o que está alegando!



- Não tenho provas... não agora, mas tenho certeza!



- Se está assim, tão desconfiado, porque não fiscaliza pessoalmente os grupos de remoção? Vá pessoalmente com eles, e confirme que o trabalho é somente para segurança dos Anunnakis. Não existe matança e se existir não foi por minhas ordens e punirei severamente os responsáveis. Mas exijo provas, sem elas, por favor, não volte mais ao meu gabinete!



- Sim, é isso que vou fazer, e filmarei tudo. – Afirma Anzu, ainda não convencido – Trarei a prova da matança e exigirei a punição dos culpados!



- Claro, me traga a filmagem que punirei, pessoalmente, o infrator.



Anzu sai do gabinete, decidido a provar que as carcaças que encontrou são resultado do trabalho dos grupos de remoção do Chanceler. Kalkal, que só observou a cena, vira-se para o Chanceler e pergunta:



- Quer que algum acidente ocorra com o Doutor Anzu?



- Não! – respondeu pensativo o Chanceler. – Ainda não, seu gênio impulsivo pode ser útil aos meus propósitos. Além do mais, sua morte poderia atrair mais dos seus para Nippur. Ai sim, eu teria problemas.



O susto dentro da caverna foi tão grande que Ninsun caiu para traz, sentada no chão.



Ela grita, desesperadamente, para que Gil, seu filho, fuja. Sua lança fica na caverna, mas contra este tipo de perigo, sabe que seria inútil.



Mesmo na fuga, não consegue esquecer aquela imagem. Ali estava ele, bem em sua frente, deitado em um canto da caverna. Ao vê-la estendeu a mão tremula em direção a Ninsun, e suplicou ajuda. Sua voz trouxe um flash em sua cabeça de tudo que passou na cidade e, por impulso, fez exatamente o contrário, ao invés de ajudar, levantou-se virando em direção á saída da caverna, e saiu correndo cambaleante.



Ainda não acreditava no que vira.



- Como isso era possível?



Olhou para todas as direções procurando por outros



- Eles não andam sozinhos. - Pensou - Preciso proteger Gil.



Dentro desta caverna, exatamente onde Gil nasceu, lá estava ele, um agonizante Anunnaki, implorando pela sua ajuda.



Pôde ver claramente a sua brancura, os Anunnakis são albinos. Seu planeta não possui sol, portanto, não precisam de melanina para protegê-los. Também são bem maiores e possuem o crânio mais alongado que os Lulus. Ela tem certeza do que vira, não existe neste planeta nada que possa ser confundido com um Anunnaki.



- Gilgamesh, onde está você? – Chama preocupada, porém, em voz baixa, por medo que outros Anunnakis ouçam.



- Aqui mãe! – Grita Gil que está no alto de uma árvore.



Não havia dúvidas em sua cabeça, enquanto podiam, precisavam fugir. Ninsun agarrou Gil pelo braço, e o puxou correndo em direção à floresta fechada.



- O que aconteceu mãe?



- Corra Gil, não há tempo para explicações...



Os dois só pararam quando encontraram, bem longe, uma pequena caverna no alto de uma pequena montanha. Ao chegarem já era noite e os dois estavam sem fôlego, ambos sentaram no chão, exaustos. Gilgamesh estava extremamente curioso, queria saber o que havia dentro da caverna, e porque ele sentiu a sua presença, mas não conseguia perguntar, precisava respirar. Depois de longos minutos, e agora já recuperados, Gil falou:



- Precisamos voltar, imediatamente!



Ninsun não entendeu. Varias coisas se passaram em sua cabeça, especulando sobre o porquê deste desejo de Gil em voltar para perto do Anunnaki. Cada explicação era mais perturbadora que outra. Finalmente, ela criou coragem e perguntou:



- Porque você quer voltar até aquele lugar Gil?



- Porque... eu deixei lá minhas pedras para quebrar nozes.



Ela esboçou um sorriso. Como as crianças são inocentes e não vêem o perigo, mas Ninsun soube, nesta hora, que havia chegado à hora, Gil não poderia ter medo do que não sabia que existia. Precisava contar a Gil sobre os Anunnakis.



- Gil – ela falou com um tom maternal –, eu preciso lhe contar uma coisa, uma coisa que venho esperando o momento certo, e acho, o momento é agora. Sempre procurei poupá-lo disto por durante toda a sua infância, mas agora você já é um adolescente e creio que vai entender, além do mais, acho que estamos em perigo e, se algo nos acontecer, você tem o direito de saber o por que.



Ela contou para Gil a sua história, como foram criados para servir de escravos, quão cruéis são seus criadores, os Anunnakis, e principalmente sua fuga para salva-lo. Tentou ser o mais delicada possível, poupando-o dos detalhes mais sórdidos. Gilgamesh, como era de se esperar, ficou cheio de perguntas, e louco para conhecer os outros como eles, e era isso que Ninsun sempre temera. Conhecendo seu filho, tinha medo que ele fosse de encontro aos seus, o que ela tinha certeza, seria a sua morte. Para cortar um pouco as perguntas dele, Ninsun mudou o foco da conversa, e contou o que havia dentro da caverna.



- Ele está lá Gil, deitado. Parece ferido, mas poderia estar fingindo, eles são bons nisso. – Ela tomou coragem, e concluiu. - Era um Anunnaki!



- Mãe, ele não está fingindo. Ele está mesmo ferido, e precisa de ajuda.



- Como pode ter certeza Gil?



- Não sei mãe. Eu senti algo, é como se eu soubesse o que ele está pensando.



Este sentimento de Gil era muito estranho, Ninsun nunca ouvira que alguém conseguisse saber o que outra pessoa está pensando, pelo menos não sem vê-la. O corpo revela pensamentos, isso ela sabia. Alguns Lulus tem esta habilidade, às vezes parecem que conseguem ler mentes, mas, na verdade, é só leitura corporal. Olhares, gestos, expressões... tudo pode revelar pensamentos. Gil não tinha visto o Anunnaki, como poderia saber o que pensava. Imaginou se não poderia ser um truque dos Anunnakis.



Resolveu não seguir com esta conversa agora. Ajeitou um canto para Gil dormir, ele reclamou que estava com fome, mas ela explicou a ele, que era muito perigoso sair, melhor esperar amanhecer. Os Anunnakis possuem óculos de visão noturna e o que Ninsun trouxe na sua fuga, havia ficado com suas coisas perto do mar e da caverna onde está o Anunnaki.



Em pouco tempo Gil dormiu, mas Ninsun passou a noite em claro. Não conseguia esquecer do Anunnaki.



- E se realmente precisar de ajuda? Não posso deixar uma criatura sofrendo, ainda mais quando me implorou por socorro! – Estes pensamentos martelaram em sua cabeça a noite toda.



Quanto Gil acordou o dia já estava claro e, havia algumas frutas dentro da caverna, sua mãe as havia colhido em uma árvore próxima.



- Coma Gil. – Falou Ninsun – A mãe precisa fazer uma coisa.



- O que mãe? – Perguntou Gil já com a boca cheia de fruta.



- Vou ajudar aquele Anunnaki!



- Mas porque mãe, eles não são maus, merecem sofrer.



- Filho – Ninsun abaixou-se próximo a Gil e, calmamente falou -, eles são maus, mas nossa espécie é boa e solidária, ele me pediu ajuda, tenho que ajudá-lo. Põe-se no lugar dele, como você ficaria se precisasse de ajuda, e não obtivesse?



Gil nem precisava se por no lugar do Anunnaki, sabia bem o que ele estava sentindo, como se o sentimento fosse dele próprio. O Anunnaki estava com medo, achava que ia morrer, e sentia dor e muita sede.



- Mão – falou Gil -, leve água para ele mãe!



Ninsun sorriu um sorriso meio forçado. Tinha medo de não ver Gil novamente, medo de não voltar, de estar indo para uma armadilha. Deu um beijo carinhoso em seu filho, fez recomendações para que não saísse da caverna até ela voltar, e foi em direção ao Anunnaki.



Gilgamesh, ao contrário de sua mãe, não se preocupou. De alguma forma sabia que o Anunnaki estava sozinho e, pelo menos por hora, era indefeso.



O Chanceler está em frente ao seu computador biológico.



Desde os tempos de universitário, é seu costume criar anotações, rascunhos de seus planos, pensamentos e idéias. Isso o ajuda a pensar, a se organizar. Sempre soube bem dos riscos de expor suas idéias em mídia. – As informações poderiam ser “hackeadas”. – Mas não em Nippur.



Tem muita confiança em Nebo, aliás, fora Kalkal é o único em quem realmente confia. Mais até do que no seu assessor. Nebo já provara, por diversas vezes ser um profissional exemplar e, sobretudo, discreto. Jamais revelaria ou se apoderaria de arquivos que não lhe pertencem e, em Nippur é o único com conhecimentos para tal.



- O que fazer com Anzu? – Esta era a pergunta.



Ele já havia dado muito trabalho, mas não poderia dar a ele o mesmo destino que reservara a outros. Sua morte certamente alvoroçaria seus amigos ambientalistas e certamente traria o foco da imprensa de Nibiru sobre Nippur, e isso não poderia acontecer.



O Chanceler sabe bem a força que eles possuem, foi graças aos ambientalistas, mais precisamente, graças a Anzu que o próprio rei Anu obrigou-se a realizar uma viagem não programada à Nippur.



E não veio a passeio, veio movido por um motivo mais grave. Veio para prender o Chanceler Enlil.







***







- Majestade, a frota já está preparada para seguir até Nippur, tão logo ocorra o alinhamento orbital. – Falou o assessor do Rei.



O momento esta chegando, e Anu está tenso com o que iria ocorrer, afinal, Enlil é seu amigo pessoal, além de um grande líder político. Já foi Primeiro Ministro, o cargo administrativo mais importante de Nibiru, cargo este, que abriu mão para seguir a aventura de desbravar Nippur. Anu nunca entendeu esta decisão de seu amigo, mas, sempre soube que Enlil não suportava de viver à sombra de seu pai, e de sua pesquisa que o alçou a herói dos Anunnakis, sabia de sua constante necessidade em superar o seu pai, mesmo agora, que já estava morto.



Não seria nada agradável prende-lo, mas as leis precisam ser respeitadas, e elas se aplicam a todos, inclusive a ele, o Rei, e ao Chanceler de Nippur.



Enlil, seu irmão Enki e Anu cresceram juntos, como irmãos. Seus pais foram grandes amigos, e parceiros na salvação de Nibiru. Prender Enlil será uma tarefa árdua, e ele, como Rei, é quem deve executá-la. Sente que deve isso à Enlil, a Enki e até aos finados heróis de Nibiru. Virou-se para seu assessor e disse:



- Prepare minha espaçonave, eu irei pessoalmente para Nippur!



- Majestade - argumentou o assessor -, Nippur é um planeta hostil, selvagem, com instalações precárias...



- Eu sei disso. – Interrompeu o Rei - Mas é meu dever prender, pessoalmente, Enlil. Afinal, ele não é um criminoso qualquer - deu uma pequena pausa –, além do mais, já está na hora de assumir o controle de Nippur, que agora pertence ao meu reinado. Providencie para que possamos decolar no primeiro momento possível.



E o primeiro momento chegou.



A comitiva do Rei decola e, aos poucos vai avançando pela atmosfera. Passar pela proteção térmica é uma emoção à parte. Por alguns segundos, somente o que se vê do lado de fora da espaçonave é uma enorme mancha dourada, belíssima. O tilintar das partículas raspando na fuselagem confere um tom melódico ao momento.



Tão logo ultrapassaram a barreira dourada, revelou-se um universo grandioso e lindo, pontuado com milhões de estrelas, formando um grande tapete bordado de brilhantes. Essa é uma visão privilegiada para um Anunnaki, nunca possível a partir do solo de Nibiru. Este foi, por séculos, o motivo pelo qual os Anunnakis nunca se aventuraram no espaço. Não possuem o privilégio de olhar a noite para o céu e imaginar mil coisas a respeito daqueles pontos de luz, formar desenhos imaginários unindo-os, questionar se existiriam planetas em torno de cada um e se, talvez, em alguns deles haveria vida e, quiçá até, vida inteligente.



Anu estava em seus aposentos dentro da espaçonave, era sua primeira vez no espaço e deveria estar extremamente excitado com a experiência, porém, estava aflito e tenso.



Iria fazer algo que não gostaria, ficava imaginando como falaria com Enlil, como ele reagiria, como ele, Anu, se sentiria ao prender seu amigo Enlil. Começou a pensar em seu pai e em como ele agiria nesta situação.



Seu pai Anun, juntamente com Eni, o pai de Enlil e Enki, salvara todos os Anunnakis de um fim certo e terrível, um fim, ocasionado pelos próprios Anunnakis e seus atos inconseqüentes. Os dois Anun e Eni assumiram o governo do planeta, agora unificado. Anun tornou-se Rei de Nibiru, enquanto Eni, que era cientista, por escolha própria, tornou-se Ministro de tecnologia, o que contribuiu, entre outras coisas, para o prolongamento indefinido do tempo de vida dos Anunnakis.



O Rei Anun era sensato, imparcial e sempre tomou decisões acertadas, elevando a vida em Nibiru a um novo patamar de prosperidade.



Anu gostaria muito de ser como seu pai, mas, sabia que, por mais que se esforçasse não conseguia, não possuía a liderança e a sabedoria de Anun. Ele assumiu o cargo vitalício quando seu pai faleceu, graças a um acidente enquanto montava gogons selvagens, seu pai adorava grandes aventuras. Desde criança Anu fora criado para substituir o Rei e seu pai o educou para isso. Para Anu, esta fora a única tarefa em que seu pai não obteve existo, em parte porque, ele próprio sequer imaginava que algum dia seu pai morreria e quando morreu Anu não estava preparado o suficiente.



O chefe da segurança de Nippur comunicou a aproximação de uma esquadra de espaçonaves, que chegaria em breve, e juntamente com elas, está à espaçonave real.



Ao saber da informação, o Chanceler Enlil não se surpreendeu. – Sou muito importante para ser preso como um qualquer. – pensou, afinal, o Rei em pessoa estava vindo e certamente, este seria o motivo da visita. A amizade com Anu seria de grande valia nesta hora, sempre conseguiu manipulá-lo, desde que eram crianças.



A frota pousou, era composta por cinco naves: a do Rei, duas da guarda real e duas que fazem o transporte regular entre os planetas. A chegada das espaçonaves foi uma visão incrível, principalmente para os Lulu Amelus, que nunca as tinham visto. Seus cascos lustrosos brilharam com o sol de Nippur, seus foguetes lançavam chamas e um forte estrondo se fazia ouvir a quilômetros.


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