- Gilgamesh, o nome dele é Gilgamesh! – Interrompeu Ninsun
ciumenta.
- Ok. “Gilgamesh” – continuou o Anunnaki –, existe uma
cidade Anunnaki aqui em Nippur, e muitos Anunnakis e Lulus moram lá.
- Anunnakis morando, e os Lulus sendo obrigados a servi-los!
– Completou ironicamente Ninsun.
- Porque não me contou da cidade mãe? – Perguntou Gil
irritado – E de todos que vivem lá?
- Eu iria lhe contar quando chegasse a hora certa Gil. –
Respondeu Ninsun, mesmo sem saber se realmente contaria algum dia – Já lhe
falei que há muitas coisas que você ainda precisa saber, mas só quando chegar a
hora. Mas você não terminou de nos contar como se feriu... – desviou a conversa
para o Anunnaki - qual é mesmo seu nome?
- Meu nome? – Responde o Anunnaki - Meu nome é Enki!
- Mentira. – Gritou Ninsun, pondo-se em pé, já com a lança
na mão – Enki morreu, foi assassinado. E a sua morte foi o inicio do inferno em
nossas vidas, na vida dos Lulu Amelus.
- Realmente houve uma tentativa em me matar, e foi por
tentar defender uma de vocês, mas, eu me salvei!
- Eu não acredito. Sabia que não podia confiar em um
Anunnaki, você está mentindo! – Falou Ninsun extremamente nervosa, puxando Gil
pela mão – Vamos embora Gil. – Já saindo da caverna, virou-se para o Anunnaki e
completou - Se você já tem condições para inventar mentiras também tem
condições para se cuidar sozinho. Adeus!
- Espere, não é mentira! – Gritou o Anunnaki – Eu sou
realmente Enki!
Mas Ninsun não esperou. Foi puxando Gil, a passos largos,
até a caverna onde estão pernoitando. Ninsun chegou chorando. As lembranças
daquele momento eram trágicas, as feridas ainda doem.
Enki foi um bom Anunnaki, um dos poucos, mas foi
assassinado. A história é clássica, e sempre lembrada a todos os Lulus, para
que sirva de exemplo, Ninsun a conhecia de cor, todos os Lulus a conheciam.
Mas, para os que a presenciaram, a dor era ainda maior.
Ela tinha apenas seis anos quando aconteceu, na época, não
entendeu nada. Aquele tumulto, aquele desespero, a imagem de sua mãe tentando
tapar sua visão para poupá-la de testemunhar tamanha crueldade, e a de um
Anunnaki batendo nela, gritando que todos deveriam assistir. Todos, não
importando a idade.
Aquele momento deveria servir de exemplo a todos os Lulus,
para o resto de suas curtas vidas e também para, as gerações vindouras.
A festa de inauguração está pronta.
Todos se reúnem em torno da estrutura formada por três
pirâmides, uma extremamente grande, e as outras, gradualmente menores. Elas
ficam quase que alinhadas e são cobertas por uma liga metálica que faz gerar
energia entre elas, energia esta que abastece, fartamente, toda Eridu. Não
existe aí nenhuma novidade para os Anunnakis. Esta é a forma tradicional, e
praticamente gratuita, de se obter energia e é utilizada há anos em Nibiru.
O que intriga os presentes é uma estrutura próxima, que está
rodeada por uma grande cortina suspensa por uma nave, que flutua calmamente.
Todos comentam e se perguntam sobre o que teria dentro da cortina. Todo trabalho
dos Lulus fora realizado dentro desta proteção de tecido, para aumentar ainda
mais a curiosidade sobre a surpresa prometida pelo Chanceler.
Enlil está em seu gabinete, preparando-se para iniciar as
festividades, repassando seu discurso, quando, seu assessor entra apavorado.
- Senhor, alguém aqui precisa falar-lhe com urgência!
Entra no gabinete Ereshkigal, arrastando consigo dois Lulus
visivelmente machucados.
Após algum tempo de conversa entre eles, o Chanceler chama o
chefe da guarda de Nippur e ordena que leve todos os Lulu Amelus para bem
próximo ao palco onde será realizado o discurso de inauguração.
Ao serem chamados, os Lulus sentiram grande alegria, afinal,
apesar de serem os construtores dos geradores, bem como da surpresa que esta
atrás da cortina, não haviam sido convidados para a cerimônia.
– Devem ter repensado o assunto e acham importante nossa
presença! – Comentam entre si.
Os Anunnakis também estranharam a presença dos Lulus.
– Os Lulus são seres inferiores. Não são dignos de participar
das festividades Anunnakis! – Era o que comentavam.
Quando todos já estavam em seus lugares, o Chanceler sobe ao
palco, acena pedindo silêncio e começa a falar.
- Amigos Anunnakis. Hoje era um dia para grande alegria e
festividades – começou –, mas acabo de receber uma noticia que me abalou, e
quero compartilhá-la com todos vocês!
O Chanceler fez sinal para que trouxessem os dois Lulus que
vieram com Ereshkigal das minas. A curiosidade tomou conta de todos,
principalmente dos Lulu Amelus, que viram dois dos seus muito machucados sobre
o palco. Logo a curiosidade foi substituída por outras emoções: ira por parte
dos Anunnakis e perplexidade por parte dos Lulu Amelus.
O Chanceler formalmente acusou os dois Lulus pelo
assassinato de seu irmão, e gerente das minas, Enki. Contou a todos a história
apresentada por Ereshkigal, de que quatro Lulus violentaram uma fêmea de sua
própria espécie, e que Enki tentou defende-la. Conseguiu matar dois dos
agressores, mas foi surpreendido e morto pelos dois que estavam sangrando no
palco. Em uma tentativa para se livrarem da culpa, jogaram o corpo de Enki, em
um caudaloso rio próximo as aralis e, o corpo não foi mais visto.
Um alvoroço começa, os Anunnakis pedem justiça e, é isso que
o Chanceler lhes dará. Uma punição exemplar deve acontecer, e por isso, todos
os Lulu Amelus foram chamados. Para assistir e aprender com a lição. Para ficar
claro a todos o que acontecerá a quem agredir, ou pior ainda, vier a matar um
Anunnaki.
O carrasco sobe ao palco e inicia a sessão de tortura,
contra os dois Lulus que foram acusados. A tortura se estende por horas, sob a
torcida alucinada dos Anunnakis.
Os acusados imploram para que o suplicio cesse. Juram
inocência, mas não há clemência, não há perdão. Os Lulus que assistem
horrorizados a cena, nem em seus piores pesadelos imaginavam que poderia
existir tamanha crueldade. Eles choram. Tem certeza da inocência dos seus,
alguns desmaiam de terror, outros são agredidos por alguns Anunnakis mais
exaltados e que a segurança não pode, ou não faz questão, em conter.
Após horas de tortura, finalmente os dois acusados tombam,
mortos, mas com o alento de que o sofrimento finalmente acabou. Todos os Lulus
são devolvidos aos seus alojamentos, muitos em estado de choque, outros,
gravemente feridos. As festividades recomeçam, os corpos dos torturados são
carregados pelos guardas e jogados no rio próximo à cidade. Devem ser
consumidos pelas feras, nem sepultamento eles tem direito, o castigo deve ser
completo.
Alheio ao sofrimento dos Lulus, o Chanceler dá sequência ao
protocolo e, inaugura o gerador citando as vantagens para o povo que está
morando em Nippur e que indústrias finalmente serão instaladas e a primeira a
funcionar será uma fábrica de armas, que segundo o Chanceler, visará à
segurança dos próprios Anunnakis.
Finalmente a curiosidade dos Anunnakis é sanada. A nave que
segura à cortina, alça vôo e, eis que surge, um enorme leão esculpido em pedra.
Deitado sobre suas patas, majestoso, de cabeça erguida, orgulhoso. O animal
será o símbolo de Nippur, e representa a superioridade dos Anunnakis sobre tudo
o que existe neste primitivo e insalubre planeta.
Ao terminar de contar esta história Ninsun esta chorando
copiosamente, Gil a acompanha. O Anunnaki, que apesar de convalescido, os
seguiu até a caverna do alto do morro, também ouvira a história, e fica
horrorizado. Ele chega próximo a Ninsun e Gil, e os abraça.
Neste momento Ninsun chora ainda mais, colocando para fora
toda a angustia de uma vida. Todo sofrimento que passou em sua infância, e que,
nem ao menos conseguia entender o porquê.
Não tenho a mínima idéia de quem são as pessoas que querem
as relíquias, mas, eles são eficientes.
Liguei para Mari a noite, pedindo para vender o que for
possível de meu apartamento, e que, iria pensar em uma forma para buscar o
dinheiro. Na manhã do dia seguinte como de costume, fui à padaria próxima para
tomar meu café da manhã, e encontrei, também como de costume, as mesmas pessoas
que encontro todos os dias, que já se tornaram minhas novas amigas. São pessoas
simples, em sua maioria aposentados que aproveitam o ambiente da padaria para
jogar um pouco de conversa fora, discutir assuntos do Brasil e novidades na
cidade.
Foi quando descobri uma das vantagens em se morar numa
cidade pequena: Sempre estamos bem informados sobre tudo que acontece no lugar.
Cheguei à padaria e cumprimentei os presentes. Não havia
sequer sentado, e a atendente já veio com o comentário:
- Acabou o sossego em nossa cidade!
Sabia que precisava dar uma resposta e, apesar de não estar
curioso a respeito, por pura educação, perguntei:
- Por quê?
- Não soube? – Responde a atendente.
Normalmente, de manhã, não estou com muita paciência. Não
tenho o menor interesse em saber o porquê de ter acabado o sossego da cidade,
mas, novamente por educação, prossegui a conversa:
- Não. Acabei de acordar!
- Temos um bandido em nossa cidade! – Conta a atendente com
um tom de voz apavorado.
Sem entender o que ela queria dizer, e ainda sendo educado,
perguntei:
- Que bandido?
Imediatamente um senhor, já conhecido meu, se adiantou e
falou:
- Sabe aquele professor que matou um colega seu de São
Paulo? Ele está em nossa cidade!
- A policia esteve cedo fazendo perguntas! – Completou a
atendente.
Neste momento meu sangue gelou.
– Eles me acharam! Devem ter grampeado o telefone da Mari.
Preciso urgentemente sair desta cidade!
***
Foram enviados quinhentos Lulu Amelus para trabalhar nas
aralis.
Foram os primeiros. Os trabalhadores Anunnakis já estavam a
ponto de se amotinar novamente se os "cabeças preta", que é como
chamam os Lulus, não fossem enviados imediatamente para as minas. Foi um motim
dos mineiros, o estopim para criação dos trabalhadores primitivos e, para o
Chanceler não é nada interessante outro motim. Devido a isso, envia os
Trabalhadores Primitivos, mesmo antes do prazo estipulado.
Enki, o gerentes das aralis, manda preparar um alojamento
confortável para os novos, ao lado do alojamento dos Anunnakis. Isto gerou
indignação e comentários maldosos por parte de alguns Anunnakis, eles vêem os
Lulus como animais, transformados em ferramenta de trabalho e, na visão deles,
não devem ser tratados como um Anunnaki, sequer devem ficar próximos a eles.
Com os novos trabalhadores, realmente o trabalho dos
Anunnakis diminuiu em muito. Os Lulu Amelus receberam treinamento para
trabalhar nas aralis e passaram a desempenhar seu trabalho com excelência. O
único que viu seu trabalho aumentar foi Enki.
Agora ele precisava estar sempre muito atento, pois os
Anunnakis, sempre que tinham oportunidade, maltratavam e humilhavam os Lulu
Amelus. Enki é rigoroso com o castigo para quem age desta forma, porém, só pode
castigar quando vê o ato, porque nenhum dos Anunnakis delata os colegas
agressores, e os Lulus, por sua natureza pacifica e sabendo que os Anunnakis
seriam castigados, também não entregam o seu agressor.
À noite, como de costume, Enki está em seu escritório
cuidando da parte burocrática das aralis, é um trabalho chato e maçante, mas
alguém precisa fazê-lo. Como os Lulu Amelus dormem neste período, Enki
reservava este turno para cuidar da papelada. Tranca o alojamento dos Lulus e
ficava tranqüilo, sabendo que estarão bem, e que não precisa vigiar.
Esta noite, porém, ouve um alvoroço do lado de fora de seu
escritório. Interrompe seu trabalho, e vai verificar. Ao Abrir a porta de seu
escritório, e se depara com um grupo que puxa a força alguém para fora do
alojamento dos Lulus, que está com as portas abertas. Outro grupo sai em
socorro ao que está sendo arrastado, mas é alvejado. Alguns tombam mortos,
outros recuaram.
Enki corre em direção do alvoroço, e ao chegar perto
constata que dois Lulus estão mortos e, um grupo de Anunnakis segura uma fêmea
dos trabalhadores primitivos. Ela está nua.
- O que está acontecendo aqui? - Grita Enki.
- Fique fora disso. - Responde Ereshkigal, que é o segundo
no comando das Minas subordinado apenas à Enki.
- Soltem esta Lulu, imediatamente! – Grita novamente Enki
- Vá para seu escritório e faça de conta que não viu nada,
será melhor para você! - Responde Ereshkigal.
- Você está me desafiando, Ereshkigal. – Fala Enki com tom
desafiador - Vai pagar por isso, e caro!
Enki é muito respeitado e temido pelos mineradores. Seu pai
foi um herói em Nibiru, seu irmão é o Chanceler em Nippur e o Rei Anu é seu
amigo pessoal, tudo isso, alem do fato que ele é um respeitado cientista,
função considerada fundamental em Nibiru, isso, após a grande crise. Graças a
este currículo, estava conseguindo manter este barril de pólvora que são as
aralis. Pelo menos, por enquanto.
- Você é um tolo Enki – gritou Ereshkigal -, defendendo
estes animais. Nós os criamos, eles são nossos, estão aqui para nos servir e
nos divertir.
- São seres vivos, inteligentes, e possuem sentimentos como
nós!
- Não temos tempo para discutir com Você. - Ereshkigal
virou-se para dois Anunnakis ao seu lado e ordenou - Prendam Enki na jaula. - A
jaula é o lugar onde Enki prende os Anunnakis que maltratam os Lulus.
Os dois se entreolharam em duvida se deviam ou não executar
a ordem, afinal, se trata de Enki.
- Vão agora. - Insistiu Ereshkigal - Eu assumo a
responsabilidade!
Os Anunnakis foram em direção a Enki com certo receio. Enki
ainda os ameaçou, mas, neste momento, a insurreição de Ereshkigal falou mais
alto. Eles prenderam Enki, que ainda tentou se defender, porém, os rebelados
estavam armados e o ameaçaram, não vendo opção, acabou se entregando.
Já dentro da jaula, ainda pôde ouvir os gritos e pedidos de
socorro da jovem Lulu que os Anunnakis estavam levando. Enki ainda gritou,
tentando em vão, conte-los de cometer este barbarismo.
O dia já estava clareando quando os mesmos Anunnakis que o
prenderam, a pedido de Ereshkigal, vieram buscá-lo.
- Venha conosco Enki. - Fala um dos Anunnakis puxando Enki
para fora da jaula.
Eles o algemam e o levam para fora do prédio, lá Ereshkigal
o aguarda. Enki olha em direção ao alojamento dos Lulus e vê, sentada no chão,
encostada na parede do alojamento a jovem Lulu da noite passada. Ela apresenta
muitos machucados e está chorando, nitidamente foi violentada. A cena revoltou
mais ainda Enki, que falou a Ereshkigal:
- Você vai se arrepender Ereshkigal. Você e estes seus
comparsas irão apodrecer no presídio...
Neste momento recebeu uma bofetada no rosto que o fez cair,
sentiu o sangue escorrendo pelo seu nariz.
- Cale a boca, seu filhinho de papai! - Gritou Ereshkigal. –
Vamos, tragam-no!
Eles o levaram com um veiculo de transporte para um cânion
próximo. A uns quarenta metros abaixo, passa um caudaloso rio. Posicionaram
Enki em pé à borda do cânion. Ereshkigal vira-se para os outros dois e fala:
- Vão embora. Vocês não podem testemunhar o que não
presenciaram. - Ao que os dois saem sem fazer perguntas, já sabem o que
acontecerá em seguida.
- Porque está fazendo isso Ereshkigal? - Perguntou Enki.
- Por quê? Você ainda pergunta? - Responde Ereshkigal com
ódio, dando mais um soco em Enki - Eu seria o Gerente das minas, estava tudo
acertado, o cargo era meu. Mas não, o filho do grande Eni se candidatou para a
vaga, e a vaga se torna dele, nem precisa fazer força. Você vive na sombra de
seu pai, nunca teve competência, e roubou o lugar que era meu por direito.
- E você tem competência Ereshkigal? Violentar jovens Lulus,
isso é competência?
- Os trabalhadores precisam de diversão, você sempre negou
isso a eles, e eu não. Agora estão ao meu lado! - Disse Ereshkigal rindo - Mas
chega de conversa, estou pegando meu cargo novamente, se não por bem, então...
por mal.
Ereshkigal saca uma arma, aponta para Enki e atira. Com o
impacto, Enki arqueia seu corpo para traz, e cai. O corpo de Enki despenca os
quarenta metros do cânion, até a água na qual, bate em cheio com um forte
impacto. Ereshkigal ouve o barulho na água como uma canção em homenagem a sua
vitória. Vai à borda do precipício e olha tentando encontrar Enki, mas ele
desapareceu no nas águas bravias do rio. Crente que ele não poderia ter
resistido à queda, fala para si mesmo:
- Foi mais fácil que pensei, nem precisei jogá-lo. Agora a
água gelada e os animais cuidam do resto!
- Quando acordei estava aqui, nesta mesma praia, machucado,
mas vivo, o tiro me atingiu de raspão. – Prossegue Enki com sua história -
Depois de me recuperar, tentei voltar para a cidade por terra, mas não consegui
suportar o gelo e o frio. Em um impulso terrível para voltar e denunciar
Ereshkigal, construí uma jangada improvisada com galhos e tentei atravessar o
mar, nem me dei conta dos perigos desta atitude. Já estava a uns 100 metros
quando meu barco foi atacado por baixo e tombou. Não vi o que era, mas devia
ser um dos grandes animais marinhos que habitam estas águas. Por muita sorte,
conseguiu alcançar a margem, mas, mortalmente ferido. Procurando proteção
consegui, a grande custo, arrastar-me até a caverna onde, certamente morreria,
se vocês não tivessem me encontrado.
Ao terminar sua história, reparou que Ninsun e Gil o olhavam
atentamente, não esboçaram nenhuma reação, só olhavam impressionados.
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